terça-feira, março 30, 2010

A queda e a saudade…

Sonhei com a misteriosa vida!!!

E, como sempre, chorei por ser aquela que espanta a muitos,
que dança sem rumo para a mágoa poder fugir,
mas a mim não canta ou adoça
nem faz o coração sorrir...

Nesse momento, a minha alma era cruelmente desanimada
por viver na vã glória da saudade,
gritar a guerra sem qualquer pudor
e culpar-me a turbulência de uma mesquinha realidade…

Tirando vergonha dos segundos já sem sal,
quis morrer num horizonte onde a lágrima não surgia.
Um vil leito onde o sorriso em ilusão se apaga,
terrivelmente longínquo por o sonho se ter esvaecido,
triste por só ter eu que rudemente conte,
as ricas maravilhas em que eu queria ter nascido...

Tal como a dissoluta peste que invoca silêncio e febre,
a mais negra das sombras me invade.
Rindo, clama não haver dó nem piedade,
qualquer entardecer que elogie a melodia que é viver,
apenas o tropeçar da velhice que a boca adorna com fel…

É esta a minha alma,
a tortura e o amargo sabor de quem já muito chorou,
uma desafortunada pintura que cobre a luz que antes vivia
e sonha com as folhas mortas na Primavera,
com o sombrio terror que vence o dia na beleza interior...

Sendo estátua, deponho as cinzas ocas e sem orgulho
porque rimo com o mais solitário dos esquecidos,
um poeta que cobre a noite sem magia ou triunfo.
Desesperado por ser rei de sonhos perdidos,
fecho os olhos e enlouqueço por ainda haver vida
pois sonharia com a morte para esquecer a dor...

"O mar profundo dos meus olhos" (Conto- Excerto)

Num só momento, senti que a minha vida eram passos desorientados à chuva, um rasto invisível deixado em palavras que me tornaram frágil, uma estátua de cristal que chorava pela morte dos meus pais. Qual é a perfeita descrição para um estúpido acidente de automóvel e o rasgar de insanidade que a infância não quer conhecer? Pobre e latejando pelo que já não podia voltar, a partir desse dia, tinha eu 13 anos, tive o conforto de uma terrível sombra, o terno desencanto de um suspiro agarrado a memórias onde havia febre e a matéria mais insalubre que poderia chamar-me como sua. Nem os meus tios e primos conseguiam me libertar daquele choro que era recordar…
O nascimento e aquele choro que é sair à força de uma casa que tão bem nos protege… Quando se tem a riqueza que uma família concede, é possível sentir que se pertence a algum lugar e que a outra casa já não importa. Os nossos passos são guiados pelo amor que os nossos pais nos dão e temos a confiança que é mostrar uma maior liberdade em falar, cantar e dançar até que o cansaço nos grite que, mesmo quando se é a jovem loucura, é bom descansar. Infelizmente, quando se perde tudo o que nos faz bem, é difícil conseguir sorrir, agarrar o momento com a sobriedade necessária que impele a alma a construir frutuosas melodias que digam que os sonhos são belos, como antes sentimos que foram.
Nesses momentos em que a solidão me chamava, as lágrimas apenas tentavam com que me esquecesse de que já me senti bem, que já tive uma família onde encontrava a fortuna de sentir-me agraciada pelas cores que somente a harmonia consegue pintar, aquela vontade tão grata que é de nada precisar.
Agora, de muito precisava… Sem conseguir reencontrar a calma, tinha o desalento como o pregar de convulsões e trágicas entoações a outros mundos, o afastar de uma realidade que se contorcia por dolorosos momentos em que tudo estava bem, uma gélida máquina que trabalhava sem piedade em seu próprio beneficio apenas para me martirizar e mostrar que eu merecia ser infeliz.
Por vários anos caminhei só, nunca sabendo o que era viver, tentando adormecer a mentira de já não poder me abraçar àqueles que moldaram o seu amor em mim, as suas vozes sendo ténues ecos do que já foi certeza e que agora eram fulgores lamentados. Cada pedaço de mim era uma morte ambulante, uma queda num recanto inglório de onde não havia fuga…
Um dia, escrevia as minhas angústias num jardim, presa ao passado e até a mim, as palavras caminhando cansadas pela noite em que o Tempo me tinha mergulhado, prova infértil de que nada parece ser glorioso, apenas eu e a morte dos meus pais, a minha passagem para um terreno sem paz. A palidez troteava o seu desespero queimando as parcelas de serenidade que a bela infância queria sorrir, a única forma de dizer ao mundo o quanto tinha sido feliz, a minha imortalidade lembrando a sedução de uma solitária existência.
Chorava, o meu peito mergulhado naquele mar que afoga a placidez, um abrigo que não desejava merecer, sem sequer saber que mais palavras poderia colocar na folha de papel cuja metade estava em branco como se estivesse à espera de um rasgo de luz para a embelezar.
A minha alma era vazia e ao longe apenas as nuvens pronunciavam serem ricas como se apenas elas pudessem ser livres… sentia-me condenada a vê-las vaguear sem a condição de humanas e, se choravam, imaginava que não era por mim. Quem choraria por mim se morresse e levasse todas aquelas recordações de infância, pensamentos destituídos de viçosos ecos que ninguém conhecia porque o que escrevia era só meu, as dores e clamores de quem já não sabe que mais iria perder.
Não me conhecia salvação até que apareceste, meu amor, e me cumprimentaste com o teu doce jeito de ser, dando-me a conhecer sorrisos atrás de sorrisos, enfeitiçando-me com as palavras e as melodias que pronunciavas. Eras poeta e sabias como preencher a minha alma…
A tua beleza tinha o favor dos anjos porque o sorriso era de alegre vida, aquele desenho que os lábios criam quando tecem uma tal majestosidade que não parece ser deste mundo. Oh, amor, foste o único a me seduzir com a força que é vaguear por cenários de magia onde se podia livremente dançar por serem prova de um paraíso, aquela cortesia que é criar beleza onde antes nada havia. A sensação de poder saciar a alma com os beijos que me davas, o calor do teu corpo sendo aquela riqueza que me fazia feliz pois contigo voltei a de nada mais precisar… tudo que eras, o que sempre quis agraciar.
Com os dias, conheci o terno encanto do teu olhar, a alma que sorri, um encontro com o mais doce que é gritar felicidade, o orgulho que é não proferir melancolia, o desejo de arder cada vez mais num recinto onde só nós os dois existíamos, aquela graciosidade que é permitir ao desejo gritar bem alto que a Vida é uma cortesia de um Verbo que anuncia ser rico. E rica me sentia contigo me beijando todos os dias…
Sim, era feliz e o mundo não me importava, o passado já não me repetia tanto a sua dor, a minha alma sendo a sinfonia que não se cansa, os olhos brilhando porque a alma continha esperança e a Vida lembrando que a sua magia já não era apenas gentileza. Contigo, tornei-me aquela que caminhava altiva, senhora de si, confiante que existia maior brilho no futuro porque o teu sorriso era vibrante e me fazias sentir segura neste mundo ingrato.
Eras a preciosa prova de que podia ser finalmente amada por quem merecia o meu amor!!!
“Trocaria o dia eterno pela noite eterna se, com ela, viesse a tua luz… Só preciso de ti… Encontrei-me no teu olhar… O mar profundo dos teus olhos e o desejo de nele mergulhar…”
Fazia-me bem ouvir-te, mergulhar em ti em todos os momentos com aquela ânsia que é sentir que o momento sabia deliciar, que os nossos corpos eram tão belos juntos e as nuvens que longe passeavam nunca mais me poderiam atingir. O meu poeta, aquele que fazia as palavras dançar e me compreendia nesta loucura que é o vazio a ser preenchido, o tecer de filamentos de ouro que compunham uma riqueza que somente a alma poderá conter.
Os nossos dias eram perfilhados com aquele sabor a amor e sexo, o delicado e delicioso reino de dois amantes que deixavam-se ir pelo que era o coração e a carne, o desejo de abrilhantar cada segundo com a homenagem à Arte, uma outra, a nossa, a mais verdadeira de todas antes conhecida. Contigo, sentia que criava os maiores poemas, que tu eras a minha inspiração, um momento que se compunha por belas estações e cuja descrição só podia começar e terminar pelo mais verdadeiro amor.
Por tanto tempo sorri ao acordar sabendo que era amada por um poeta e que poderia criar ricos textos onde a desejada altivez não poderia acabar. Infelizmente, chegou o momento em que me soube demasiado estúpida para antes perceber que o teu olhar não tinha o significado que lhe dava, que a tua poesia caía em pobres verdades por serem fantasias… Tantas palavras, frases que pareciam feitas para me seduzir mas que nenhum valor possuíam… Sim, nenhum valor possuíam!!!
Sempre me disseram que deveria ter sido actriz… Disfarçando o meu amor com o véu etéreo que surge dos sonhos, pensarias, se calhar, que estava completamente apaixonada por ti, cega para todos os teus outros movimentos… e estava mas, despindo o manto que é a ignorância que o coração cria comecei a reparar nos teus olhares para certas rapariguinhas. Pensavas que nada via mas uma mulher conhece muito bem quando o seu amado desvia a atenção nem que seja por segundos para admirar outra mulher mas elas nem isso eram… Faltava-lhes uma certa maturidade que os anos poderiam conceder e as rapariguinhas que parecias admirar eram apenas adolescentes que nada sabiam da vida e que estavam a dar os seus passos de modo a conhecer o seu corpo… e o de outros.
Lembro-me da noite em que me encurralaste entre a inquietação e a desolação, a vontade de fugir de tudo o que era vida levando-me quase à loucura… Pensava antes que me amavas verdadeiramente mas não, apenas querias um pedaço de carne fresca, quente, sentires-te desejado e nem entendo o porquê de me teres levado contigo para esse baile de máscaras que mostrava que eras um sádico, um pervertido sem alguma moral. Como péssimo actor, tinhas uma condição que desprestigiava as palavras, esses poemas que criavas e que eram belos mas que não tinham alguma verdade, pois mereciam ser declamados por quem conhecia a justiça do coração. Maldito seja quem te deu o dom de embelezar os cenários mais áridos com a poesia que a tua alma não possuía!!!

Molduras




Texto: escrito e declamado por mim, Jorge Ribeiro de Castro
Música: "The sweet hereafter" por Desiderii Marginis

Molduras

"De ruínas desesperadas que regem a noite com vis feitiços... De belezas escanzeladas que escapam ao manejar do Tempo... De tristeza, fragilidade e agonia que decidem adormecer na saudade de vida sem fulgor... De eu, tu e todos aqueles que não imaginam o que é ser feliz... apenas sofrer por tanto de momentos emprestados desejar...
De lamentos e suspiros que ganham bolor no mundo inferior De carícias já esquecidas que regem sonhos e nunca clamam por mais luz De templos, castelos e mosteiros onde foram criadas solenidades que se perderam em divinos cenários e uns outros tomados por demónios e serpentes De vida, morte e outras realidades que possuem o seu quinhão de dor a comédia de tragédias dementes
De toscas e aviltantes profecias que já há muito dançaram pelas covas de ríspidas e furtivas saudades De apatia e reles monotonia que dardejou esperança já escurecida pelo abraço de sonhos em ruína De cores sem luz nem calor que dominam as cavernas da minha alma, que cavam os insanos pesadelos de quem nunca foi contente De facadas, feridas e sangue as lágrimas de quem ama, as lágrimas de quem pela mais bela estrela clama, as lágrimas de quem arde e sofre
De caveiras e ossos desenhados pela Vida, atacados pela ingloriosa Morte e embriagados pela Desolação De espíritos humilhados pela Esperança que tantas vezes sorri mas raramente concede realidades, as certezas de haver lugar para tamanha vontade De marchas fúnebres, requiems ao passado já morto e funerais que prezam miséria e angústia De futilidades, banalidades e frivolidades sinónimos de um mesmo desprezo, de um nada que a ninguém importa, nem mesmo quem tenta se erguer
De esmolas nunca concedidas pelo Sol, raramente adornadas pela Lua e nem em sonhos oferecidas De passos sem força, enferrujados pela rispidez de quem já não tem coragem escrita no sangue De alentos desanimados, palidez esbranquiçada, mágoa por si própria magoada De tédio horrorizado por louca morbidez, vidas pela morte regidas e fios de prata partidos
De mil e um contos oferecidos à Humanidade e outras histórias, lendas e parábolas que surgiram de tudo o que o Tempo carrega De melodias que vivem na alma como se dançassem com todas as cores que nos foram oferecidas ao nascer De belas edificações, harmoniosas construções e tudo o mais que a imaginação nos deleitar De prazer, conforto, descanso, bem-estar e todas as sensações que à alegria nos quiser levar
De fotos já gastas com pobres já mortos O amarelo do Tempo que se esvai, que seduz a poeira de frutuosas recordações, as cantigas de milhares de maldições que fecham-me os olhos pedindo sono sem riso a acariciar
Sentado na rocha mais fria que a idade permite, tenho apenas a companhia de um fantasma que já não consigo tocar os lábios que se foram, os beijos que já não se unem ao meu amar a ousadia de se pensar que a Felicidade está viva e nos quer bem a profundidade de uma dor que preenche e não deixa espaço para a luz
E, finalmente, de portas, janelas e molduras De tudo o que nos importar"

domingo, março 28, 2010

A noite e a minha procura por ti - Jorge Ribeiro de Castro



- Prosa poética escrita e declamada por mim, Jorge Ribeiro de Castro http://darkenedserenity.blogspot.com
- Música "Smoke Signals" por Liquid Laughter Lounge Quartet

"Soube antes escrever o que o céu desenha, os traços escorrendo pela tinta como fragmentos de um pincel desnivelado, as formas divagando sobre a natureza que os teus olhos transmitem mesmo a vários quilómetros da minha realidade. Embebida em leves nuances de paixão e alegria, apenas conseguia revelar os vales que antecediam a montanha onde a tua alma vagueia, respirando os tons de névoa que, como segredos, corriam.
Éramos escuridão e toda a luz reaparecia com a palavra entoada, o medo sacudindo as asas e deitando para o abismo que fugia, a poeira que é o gelo e o sofrer. Existiam sorrisos que, por mais doces que fossem, revestiam as paredes da nossa casa com a esperança semeada e a inquietação angustiada.
- Seríamos felizes? perguntavas, as faces coradas, a cabeça baixa, as mãos resguardadas uma na outra procurando não a sua companhia mas um outro calor que colhesse as lágrimas e as tornasse amigas do esquecimento.
A beleza era mais do que a voz os gestos, os suspiros traduzindo a ânsia, o desejo revelando a natureza, o peso parecendo ser a pluma que acariciava a face.
A música irrompia pelas nuvens que bailavam ao ténue movimento de uma calma ainda infantil, a perda já distante de todos os cinzentos que a fragilidade usa quando nasce pelo valoroso toque da paixão. Éramos únicos e os nossos olhos consumiam os sóis de outras partes do Universo, vivendo o momento de um encontro cujos gemidos caíam através do toque de uma esbelta Primavera onde a diferença era um verde prado sem outras vozes que os amantes desaparecidos tinham evocado.
Sentado numa pedra que ladeava a margem de um lago onde a vida parecia dançar, conseguia ver o teu corpo manuseando o ar com movimentos tão serenos e fantasiosos que sabia que não haveria uma outra sedução capaz de me levar a alma. Era a eternidade respirando pelos meus poros, deixando o medo afundar-se na longínqua cova onde nem a História conseguia adentrar.
Aproximando-me, ladeei os meus braços ao redor da tua cintura, os meus olhos caindo nos teus, os meus lábios afundando-se na emoção de provar a forma vermelha que era o teu sorriso. Encontrar a paz, ser mais do que estranho, pintar a alegria nos nossos corpos...
Esperando ter a Vida ao nosso lado..."

sábado, março 20, 2010

De um encanto preso ao amanhecer (Excerto - Conto)

O que antes era um murmúrio, uma leve nota de grandeza, gradualmente se deu a conhecer como a doce voz da mulher que amava, a serenidade que antes conhecia abatendo-se com as palavras que soltou:
- Precisas de ajuda!!! Não vês que estou morta?
Por longos momentos a fitei, o silêncio contradizendo o turbilhão que troava pela minha alma. Vê-la tão bela quanto o primeiro dia em que a tinha conhecido, o seu longo cabelo preto adornando uma face oval onde os olhos azuis enunciavam elegância e cortesia. Entristeceu-me pensar que estava a ficar louca…
- Porque brincas? Acordo e em vez de um beijo, dizes tal coisa?
- Mas é verdade! Estou morta! Já morri há muito tempo mas não o sabes… Precisas de ajuda!!!
- Pára com isso!!! Já não estou a gostar da brincadeira!!!
- Não é brincadeira, amor… Tens uma vida para viver… Recomeçar a sorrir, esquecer este mundo… a mim…
- Pára!!! Se te queres divorciar então diz, não me faças isto… Eu amo-te… Amo-te imenso mas também saberei respeitar e compreender as tuas vontades…
- O que digo nada tem a ver com o amor… É a verdade… Já não existo… Estou morta há muito tempo…
- Nãooooooooooo!!!!!!!! Pára de me quereres enlouquecer!!! Deixa-me… Deixa-me sozinho…
- Sim, é o melhor… Irás descobrir por ti próprio…
- Descobrir? Apenas quero que me trates como antes e não como se tudo o que considerava que eras nada tivesse de belo para me fazer sentir bem…
- Sou a mesma que antes… mas tudo mudou… O mundo muda, sabias? Não podemos controlar o Tempo… enfim… talvez… um dia…
E com estas palavras saiu da sala, deixando-me sentado no sofá, os olhos lacrimejando por o intimo ter conhecido as palavras mais loucas que alguma vez a mulher que amava tinha pronunciado.
Não sabia o que estava a acontecer, a veracidade do que dizia sendo posta claramente em causa porque se a via respirar, tão bela como a tinha visto em outros dias, algo de certeza devia ter acontecido para agir de forma tão estranha. Enquanto conversávamos, não lhe tinha notado qualquer contusão na cabeça, uma pancada que mostrasse que algum acidente pudesse ter ocorrido. Então que outra explicação poderia haver para agir assim???
A minha mulher não estava nada bem e algo teria de ser feito para a ajudar. Tão jovem… Porquê é que, quando se pensa que a Vida nos concede bons frutos, quando o futuro surge risonho, existe sempre algo que nos mostra as portas da Loucura?
Só nos tínhamos casado há um ano e meio e éramos felizes após as agruras de pálidos momentos que não se mostraram tão belos assim para serem recordados, tempos difíceis em que éramos marcados pela dor que apunhalava a harmonia e o sorriso que vivia destroçado, uma trágica relíquia enunciada pela áspera existência e que nem o amanhecer conseguia enriquecer. Tal como eu, ela conheceu a nostalgia das lágrimas, a injúria de ter feito planos sempre que uma relação amorosa começava mas a verdade é que ninguém nos merecia mais do que nós os dois descobrimos merecer.
Talvez a Vida tivesse um plano em relação ao amor que merecíamos, dando-nos outras experiências de modo a podermos conhecer a nós próprios e ao que realmente desejávamos. As cicatrizes deixadas por segundos de angústia ainda perduravam mas já não tinham a força de quando eram feridas e latejavam inclemente dor.
Sim… Apesar da minha tristeza, ainda me lembro do seu sorriso quando a conheci, os olhos azuis brilhando ainda mais do que o céu límpido naquele dia de Primavera. Sentada num banco de jardim, lia um livro que continha a poesia de Baudelaire e parecia resplandecer ainda mais a cada página que lia como se cada verso contivesse uma riqueza que, naquele momento, era só sua, embora não pudesse haver maior beleza do que ela mesma.
Como escritor que sou, um amante das palavras que se apaixonam e que em magia se deleitam, perguntei-lhe se podia me sentar no banco de modo a ler calmamente um dos mais belos livros de Rose Tremain de nome “Música e Silêncio”. Agradou-me saber que ela conhecia a autora e que já tinha lido o livro e não durou muito até as palavras que surgiam não fossem aquelas presas às folhas de papel.
A sua delicadeza e paixão para com a literatura me fascinaram e quando descobri que também escrevia soube ter encontrado o sonho mais perfeito, pois em tudo ela respirava uma doce entoação, aquele brilho que surge quando já não nos sentimos sós. Talvez pareça fácil para quem escreve encontrar adjectivos para a mulher por quem nos estamos a apaixonar mas nem sempre nos conseguimos distanciar da mudez, do soluço, da quietude, do facto de que só conseguimos contemplar.... e mais nada.
Foram belos os dias que vieram, cada momento sendo uma forma de nos darmos a conhecer como ninguém o quis antes fazer embora tanto eu como ela conseguíssemos transmitir o que o íntimo criava com a brilhante escrita.
Ela, como a chama que lhe indicava o caminho a percorrer, escrevia uma rica poesia onde a emoção viajava por conturbados momentos onde a doçura deixava a sua fragrância. Eu, talvez como um anjo que sabe o que era a noite, era conhecido por conjugar estranhos enredos perfilhados de invulgares personagens e assim sintetizar de formas um tanto caóticas o que o pensamento, o sentimento e a imaginação produzem. Apesar disso, a minha vida fora dessas histórias não era assim tão brilhante pois, por dentro, sentia um vazio que era o coração que não tinha cor nem vontade de sorrir e ela, uma deusa sem igual, compreendia isso pois também já tinha tropeçado na decepção. Era o destino nos conhecermos…
Levou-nos um mês a sentir os lábios de cada um, pois o medo de termos outra vez o sofrimento fazia-nos quietos, tentando deixar a melodiosa agonia dormente, as palavras sendo todas excepto aquelas que já estávamos a sentir. Apesar disso, a partir do momento em que os nossos corpos tiveram a liberdade para se unirem, surgiu a paixão que é amar sem limites, invocando os mais poéticos dos adornos que apenas um harmonioso amanhecer conhece.
Suspirando, sentindo o corpo tremer devido ao nervosismo, deixei as recordações para trás, levantei-me e caminhei pela sala tentando diminuir a ansiedade que advinha dessa maldita preocupação que é descobrir que a minha amada estava enlouquecida.
Se saísse e espairecesse um pouco, talvez pudesse chegar a uma solução para o problema, a razão por detrás do acto tresloucado da minha mulher sendo algo que deveria ser investigado. Infelizmente, não era médico nem cientista, apenas um escritor, alguém que revestia as páginas em branco com o encanto e o desencanto da alma e que neste instante voltava a sofrer.
As minhas lágrimas tinham o sabor mais amargo que alguma vez provei pois eram prova da saudade dos doces tempos em que o amor me tinha concedido a verdadeira felicidade. Porque é que ela tinha enlouquecido? O que a tinha feito vir com tais loucas afirmações? Seria isto tudo um pesadelo e iria acordar sabendo que ela não estava morta, que a Vida ainda me oferecia a riqueza que apenas a sanidade concede? Se isto fosse um mundo etéreo preso ao sono, teria de seguir um plano superior e não aquele que pretendia?
Raios! Porque tantas indagações têm de aparecer? Nas minhas histórias, surge sempre a loucura como apanágio dos que vagueiam empobrecidos pela desilusão mas não a quero na minha vida! Que me deixem ser feliz como mereço, como todos merecemos!!! Já é tempo…

sábado, março 13, 2010

Penumbra

Fui fantasma numa outra vida, fogo sem chamas a arder,
salteador empobrecido, dolosa página esquecida, riqueza de pobre a morrer.
Ditei cansaço com os meus lábios, realidades de passos revoltados,
sofri nas mãos dos repelidos, para ser dos feios o adorado.

Fui a febre de vis loucuras que mereceram desilusão em versos cansados.
A arte de seduzir e, quem diria?... a tortura do pecado…
Adormeci sozinho e de madrugada acordei acompanhado
por seres terríveis, pesadelos inesquecíveis, os queixumes de desprezados.

Fui proibido à Primavera por ser tudo menos fértil alegria,
por ter nos olhos caveiras, vaguear por cavernas que nada tinham de beleza,
apenas uma gélida e profunda tristeza que murchava qualquer riqueza.

Assim, meus passos tombavam em pântanos de cansaço inebriante,
de volúpia por atmosferas irritantes onde já nada existia,
onde, se caísse, morria tal como o cego que já viu um dia.

Sem forças, sou flor já morta ao anoitecer…
O ridículo que impregna os jardins com piores pecados do que sonhar.
Sou manequim, boneco sem fios, privado de desafios,
abominável perante as estrelas, príncipe de becos sem saída,
enclausurado perante a mais reles vida…
Liberdade?
Impossível tê-la pois não a sei merecer!

Rigor Mortis

Toquei a pedra embrutecida por lágrimas de desespero e solidão,
a perda de alegre vida, a audaciosa melodia
que povoa sonhos que a Saudade não quer ter em vão...

Mutilei a minha alma com arrepios de ruínas
aprisionadas pelo deslumbre de glórias passadas,
vi-me tosco e delirante, desencantado, errante,
o querer de cinzas espalhadas pela tragédia de nunca mais se ser como dantes...

Trinta segredos sem cor purificados pelo desenlace de histórias,
turbilhões de dor, tempestades sem força, beleza já rouca.
Estarei eu louco, possuído pelos sonâmbulos que acostam às memórias?
Ou serei eu nada mais do que a margem de um rio que, apiedado, chora?

Fustigado por olhares de maldade em tempos invernais,
trocado à nascença pela ríspida monotonia da solidão
em que lenta é a maldita marcha que me carrega,
lento é o pesar que me leva num caixão…

Envolto em sombras sem calor, vi-me frio, embrenhado em gélido torpor
onde a luz não se acende,
onde tudo é desmentido,
pois já não existe mocidade, já tudo se perde na idade,
nas memórias de outros tempos que torturam,
que vilmente gracejam da perda que foi o Amor…

Morpheus,

Era já meia-noite mal dormida no reino de Morfeu enlouquecido,
que pintava com cores garridas, pesadelos de amor ferido.
Tomado pelo som agreste de tempestades incríveis, quis ruínas edificar,
imortalizado no pó de tristes mendigas que a Lua pareciam acobertar.

Possuído pela tentação, os seus olhos teciam a dolência da indiferença
ao vaguear na escravidão de conversas mortas por piedosa descrença.
Cantava saudades da glória, virtudes sem nexo envolvidas por gargalhadas,
o torpor de quem jaz sem paixão e tem olhos já mortos, a alma estraçalhada.

A voz de escurecidas lágrimas formavam caminhos onde o desolado adormeceu,
suspirando solidão, carente de fervorosa atenção, atordoado pelo que a esperança não prometeu…
Enlouquecido perante a dor, tomado por pecados, tragicamente abandonado,
preferia o esquecimento acolher do que viver nos pântanos do desprezado.

Os gritos que o horizonte soprava, quimeras de destruição, odes ao desdém
que despreocupadamente ao desolado amargurava com a sinfonia de se ser ninguém.
De todas as páginas que o Universo mostrou possuir, nenhuma o fazia viver
pois, com o coração torturado, só e desprezado, Morfeu enlouquecido desejava morrer.

sexta-feira, março 12, 2010

Um sonho lembrando o mar (Conto - Excerto)

O anjo…


Ao vaguear por esse terreno encantado que é a alvura etérea do viajar, tive a incerteza de olhar para um recanto que meu não era, a posse de todas as quedas e lamentos sendo uma distante memória desabrigada pelo firmamento enquanto os passos eram dados, uma espera sendo apreciada e, pela alma, rimada.
Sendo curioso e corajoso, firmei consentimento com a terra que à frente me esperava, passando por árvores, arbustos e flores como se o vento estivesse preso aos meus pés, um coração de fogo no meu peito batendo. A minha vontade seria descobrir o que existia neste jogo enevoado que é ser posto desabrigado num mundo desconhecido onde nem a prosa nem a rima têm sabor!
Ecos de valorosos momentos passaram e todos eles de encanto me cobriram pois já se aproximava o fechar do dia e, com este, novas e flamejantes cores libertavam o seu perfume. A minha vida conhecendo um outro olhar, a libertação sem qualquer queixume a não ser ter de ver as estrelas só e mal acompanhado como se alguém ordenasse solidão como paga de memórias que não sabem brilhar.
Uns outros passos e já me chegavam aos ouvidos o som de um mar liberto, a sedução de uma dança com a terra encantada onde posto tinha sido, no entanto desejando, a enorme vontade lamentando o que harmonia não era. Ardia-me o pensamento querer encontrar alguém que me desse a conhecer a razão de aqui estar, posto ao abrigo de um dom estranho que é não saber em que casa se irá dormir, a liberdade tendo duas asas quebradas que se arrastam tal vermes sem sedução.
O meu brilho era tal como a queda do sol ardente, o sorriso como a ponte entre o abismo e o céu, desvirtuando o cansaço que já a noite ecoava como oferta de momentos em que o sono pudesse estar presente pedindo aquela carícia que tanto desejava merecer. A impossibilidade de me lembrar das horas em que o sorriso fosse maior sujeitava-me a estar descontente mas não iria deixar de caminhar pois talvez aquele perfume a mar, fosse o início de uma outra vida. E assim foi…
Com o olhar sagaz, o espírito sendo um voar de ideias, o coração ardendo como fruto de sensações desiguais, vi então uma figura feminina. Talhada em finas formas, o encanto que é mulher disposta perto de uma enseada enquanto o mar era ríspido e dissoluto, como se procurasse recolher da terra o espaço e o tesouro que achava ser seu.
Estendida na praia, desacordada, tristemente frágil mas de um encanto que vagava pela celeste beleza do que me a fez adorar, parecia uma deusa no seu leito preferido, a suavidade do éter que tinha descido à terra enquanto as ondas serpenteavam tais vales e montanhas que não queriam a calma.
Sorrindo, deixei-me ficar por longos momentos enquanto a observava, tão majestosa quanto o amanhecer, a respiração sendo fruto de uma certa melancolia que a fazia pálida, desprotegida… Talvez, tal como eu, tivesse caminhado por longas horas, o cansaço tomando conta da sua doce forma, ou talvez esperasse por alguém, uma fagulha de sorte que tão bem conhecia… Enfim, a minha curiosidade era imensa e o único sentido que sentia nesse momento era fazê-la feliz, tentar arranjar uma cura para quaisquer males que a afligissem se, por acaso, os tivesse, esperando que fossemos os únicos neste recinto de encanto.
Com um leve toque na sua cara, os longos cabelos pretos cobrindo-lhe parte do corpo, a ninfa que tanto me adoçou o olhar acordou… Os olhos azuis perscrutando o horizonte próximo como se não soubesse onde estava…
De repente, agitou-se, deu um grito e se levantou, a respiração sendo agora forçada, deixada ao mesmo ritmo que as ondas do mar. Acalmando-a, disse-lhe que estava tudo bem, que não lhe iria fazer mal, que só a queria ajudar.
Olhando para mim com ar de espanto, perguntou-me quem era…
- Não tenho nome para lhe dar… desconheço quem sou… não sei quem era… Existo aqui… Apenas isso… E o seu?
- O meu nome é… é… não sei… Tudo em mim existe como névoa… sou apenas o que sinto e o que vê…
Por momentos sorriu, a minha respiração tornando-se mais rápida, a cortesia de ter encontrado uma mulher que em tudo em mim tocava a mais bela melodia, que tinha a beleza de mil paraísos… para depois desaparecer.
Atónito, os olhos fechei para depois abrir mas o mesmo vazio ainda lá se encontrava… a mulher que em muito adorava… já não me fazia estremecer com o encanto de a ver…


A ninfa…


Supus um sonho… encontrei a beleza… um anjo… mas acordei… a minha realidade… a minha mais agreste certeza sendo que o homem com quem sonhei parecia comigo sonhar… a magia de um toque de ondas ao lado das quais adormeci, cansada, visivelmente enfastiada com o facto de que a beleza que procuro só em sonhos poderia encontrar…
A gentileza de um sopro que me fizesse sorrir, pensar, sentir, desejar, vivia ainda dentro de mim…
Por anos, vi-me só por vontade, por não ver riqueza em outras vidas, todas elas pálidas, materialistas, retorcidas… enquanto procurava a poesia de um coração que quisesse a tudo me dar atenção… e não apenas procurar o conforto de um corpo, um momento pelo Tempo cansado em laivos de tentações onde não havia abrigo para o sorriso.
Passava o Tempo perdida entre livros, a casa e o mar… Olhava para tudo o que era lado, o céu sendo meu confidente por possuir milhentas janelas onde a minha alma podia voar. A inquietação induzida pelo que procurava fazendo-me estremecer… sabendo que nos sonhos, devido à mais gloriosa das magias, tudo podia acontecer!
E aconteceu… Perdi-me nos seus olhos… Castanhos, vigorosos, cheios de fogo onde podia a alma aquecer.... onde queria me perder por serem olhos de anjo, de vontade divina, de apoteose merecida que me fazia estremecer,
Nunca esquecerei a sua tão bela face… Não lhe via qualquer cabelo mas os olhos profundos diziam-me muito mais, vertendo uma ansiedade mútua, um respirar que podia se tornar uno… se eu não tivesse acordado e deixado a triste e desiludida realidade me fazer em agonia o encanto vencer,
Agora, nestes solitários passos em que faço o meu caminho, procuro apenas uma outra noite, um sonho onde o possa encontrar, sentir que tem mais do que beleza para me dar… a firme alvura de uma alma que, com a minha, rime…
E se encontrasse a felicidade em sonhos?
E se a eternidade me concedesse o desejo de viver?
Oh! Jocosa melodia que se firma como gloriosa vontade e me faz feliz!!! Será que algum dia esse homem me trará a felicidade que há tantos anos desejo e nunca me quis?


O anjo…


Cobre-me um encanto que não sei onde me irá levar, um soluço que me deixou imobilizado perante a mais bela mulher que alguma vez passou pelo meu caminho.
Os meus passos tendo agora uma força desigual como se ela, ao desaparecer, me tivesse deixado sem coração, levando toda a magia que poderia representar, a poesia descendo dos céus e, em outras cores, me fazendo estremecer… um frio que me cortava o corpo, se não fosse a alma, enquanto via as cores de um poente a terra cobrir.
Ainda olhei para o mar, a revolta de outrora sendo agora um murmúrio, o espelho da minha alma um triste recanto que nada me trazia de sereno. Pensar que a tinha perdido mesmo antes dos seus lábios sentir, uma fagulha que não tinha conseguido como fogo viver…
O Tempo era uma distância que afugentava a ligeireza do encanto da Natureza, deixando uma torpe lágrima cair do meu olhar. Um paraíso encontrado e perdido num piscar de olhos…
Atordoado, ainda deixando os pensamentos se distanciarem no horizonte divino de um outro momento, escutava o suave bater do mar na praia e não notei a aproximação de um outro ser, o toque de uma mão no meu ombro fazendo-me virar.
- Voltei… - disse a mulher, a ninfa, a deusa, que tanto me fascinara.
- Sim… Fico feliz por tal… - respondi, o sorriso se abrindo na minha cara.
- Não o conseguia esquecer…
- Passou tanto tempo, a angústia tomando conta do meu ser… Para onde foi?
- Não sei bem… lembro-me de certas partes mas a minha memória encontra-se enevoada, como se tudo o que não fosse aqui, fosse uma pálida existência antes de neste recinto nascer…
- Sim… entendo-a…
Por longos momentos, nos olhamos nos olhos…
Os seus tão belos olhos azuis sendo mais cativantes, de uma serenidade delirante, do que todo o mar e as suas profundezas.
Sorrimos… a vontade de sentir uma outra vez o toque do outro cobrindo-nos com uma tal paixão que talvez não houvesse um momento mais desejado do que aquele em que, dos desenhos acariciados pelo olhar, os lábios conduziram o coração a outras certezas.
Doce… Suave… Ternurenta… Tão divina era a sua boca unida à minha…
A vontade desmedida de possuir a elegância do amor em tão carinhosos toques nos fazendo suspirar com a mais bela das emoções.
Ao beija-la, deixei a confusão desaparecer, sabendo que tudo o que desejava já tinha, pouco me importando se a ausência de outras recordações assombrava a minha mente pois era esta que desejava, este momento que fosse eterno e que não espalhasse uma névoa ingrata ao meu redor!!!
No entanto, vi-me outra vez só… a minha amada tinha desaparecido…


A ninfa…


Um outro sonho… Uma outra vida… Nós os dois… Tocados pelo mesmo destino…
Fui levada pelo condão da tristeza, a patética desventura de, por duas vezes, ter encontrado um tesouro e tê-lo perdido com os meus passos pelo mais terrível dos cenários.
O primeiro sorriso tinha sido quase uma semana antes, tendo vivido os momentos de espera em inquietação e pálida nostalgia, em nenhum lugar encontrando a magia que tanto me tinha feito sentir viva.
Fartava-me ter de, em voz alta, dizer que só tinha um sonho que me pudesse aquecer.
Sim… Um sonho… O homem que tanto me tinha feito conhecer o verdadeiro amor tinha sido fruto de um sonho, uma espécie de acordo mágico entre dois mundos de modo a abrilhantar um e outro com a finura de tão brilhantes palavras, a doçura de inebriantes espasmos por entre céus e mares de magia.
A Vida…
Se a Vida sabia sorrir, devia estar a soltar gargalhadas ao fazer-me crer ser cinza e ilusão pois o único homem que gostaria de no meu recanto privado encontrar não estava ao meu lado e nem sabia se algum dia voltaria a estar.
Mesmo assim, não esquecia o seu sorriso, o seu terno encanto, os olhos abrigando muita da luz que me faltava e muita da juventude que procurava.
A Felicidade me tinha aberto uma porta, um segredo desvendado pelos etéreos caminhos da sedução onde tudo possuía uma tão maravilhosa certeza.
Neste momento, neste recanto, sentia-me caída, tocada pela memória desses tão doces lábios e não podendo nem devendo a minha loucura gritar. Seria considerada louca se já não o fosse por ter vindo para aqui viver, longe de tudo e de todos, apenas eu e o mar… o sonho e o desejar.
No entanto, tinha precisado me afastar das afirmações e indagações de quem não é justo e sincero, de quem se impele a caminhar perante a lividez de espíritos doentes que dizem ser os correctos, que a Vida não deve ter o encanto do coração mas que apenas o dinheiro e outras coisas materiais importam.
Repugnava-me saber que o mundo onde tinha nascido tinha as cores da infâmia e devassidão, que já não existia oportunidade para o encanto, para o dia ser belo e a noite ter tudo menos as sombras de um vazio que não traz paz.
Oh, o meu amado… Ainda conseguia vê-lo… Os seus olhos tão belos ensinando-me as cores da harmonia, o seu toque de homem corajoso, de poeta orgulhoso, de suavidade sem par. Ao sonhar, tornei-me sua, descobrindo que mais ninguém me poderia fazer assim sentir… Uma mulher que lia um poema sem fim num mundo de nuvens que talvez tivesse sido criado unicamente para ela…
Eu… A afortunada…
Parecia-me que esse sonho tinha durado uma vida pois, enquanto sonhava, tinha conseguido esquecer a realidade e povoar uma outra com o mais belo que podia criar, não fosse, desde antes, uma aventureira que não tinha medo de desbravar o desconhecido.

segunda-feira, março 08, 2010

Lachrimae

Meu nome é rio da desgraça, imperfeito ser de tão trágica raça que não esconde o desencanto, a virtude de se ser maldição mordaz onde já viveu a esperança, onde já brilharam olhos de criança e caíram as pétalas de amargura sem leito a colher...
Vi-me distante de toda a luz, apenas por ser da minha cor o cinzento esparso que tomou a dor como pátio de abraços já frios, onde já houve riso mas desde há muito que já não existe os sorrisos que criaram estradas de apaixonadas cantigas que em bem estar me adormeciam...
Desde há muito, sou a palidez de um espelho envelhecido pela insónia do viver, o tormento de tanto desejar e em mágoa saber... já não rio, já não brilho... espera-me apenas morrer...
Os contos que dei a conhecer são já pálidas lágrimas da minha alma pois este futuro inquietante, desconhecido e, mesmo assim, hesitante, traz tão cruéis palavras que transpiram sonolência exacerbada, por querer desaparecer antes da próxima madrugada.
Sem vida nos pulmões, seda que dê cor à imaginação, tenho apenas a prova de tudo o que fui, ruiu há instantes, por nada do nada conseguir criar, nada do nada ter para amar…
Aprisionado na caverna das lamentações, sou eremita da minha própria alma, a secura de noites mascaradas, um soluçar desperdiçado onde chove a todo o momento, onde nem um fio de luz se queda. Não há momento onde não me sinta o confuso, o desgraçado, o recluso, o indesejado, o morto cujas pernas são escolhos e os olhos ruínas…
São estes gritos que me cortam, que me transformam em restos de um passado que já era cinzas, que tragam a água que os meus lábios desejam… sei o que é perder… estive lá, nesse recanto furibundo que transformou a maldita luz em nada, na saga de um silêncio aprisionado…
Sou o corpo abatido que sabe como ler a noite escura e que conhece o sono dos empoeirados, aquele que diz o que é ridículo e aquele que diz que quem quiser conhecer o que é ser podridão, acorde-se ao espelho de manhã, veja as rugas que o Tempo criou… e morra… tal como ontem morri…

Remorsos e outras leis

Tenho a alma talhada em finos cortes de um certo sabor… A mágoa e outras más sortes pintam o íntimo com o que houver de mais irritante e retiram da delicadeza qualquer fulgor como se já não houvessem promessas a cumprir e todas as noites tivessem névoas e outros desastres a sorrir.
Já não ardo no seu recanto e cismo ser a quietude abatida que, outrora, já foi, por outros nomes, tão querida mas, agora, é um passo parado à espreita de um empurrão.
Se alguém já conheceu o meu sorriso, sabe agora que este é falso pois não há bela virtude na alma e todas as flores que me cobriam os sonhos são restos, estão secas, inevitavelmente murchas pelo estropiar do que era terno calor. A discórdia sendo um minuto congelado, uma lágrima de um triste passado, o Verão com um toque a Morte…
A minha esperança se foi e, com ela, toda a delicadeza de um apaixonado, ficando o ócio do desanimado, o pranto de quem seduz o acaso com preguiça e comiseração.
Maldita a hora em que dei o meu coração!!!
A plenitude ébria que pinta gritos na minha memória é a vertente mais irrisória de quem quis feitiços e acabou com maldições. Pois… antes pensava que era somente “ser”, o Verbo e seus tesouros iria ter e algo mais do que indelicadas fantasias seria encanto onde me recolher.
Neste momento, conheço mais do que a beleza desfalecida onde cair… A Vida e todas as verdades sabem muito bem como me deixar de rastos e o mundo é o palco mais cinzento que a Morte sabe morder. E eu mordo o vazio pois já não tenho forças para outra coisa fazer…
A paga de tantos anos a beber da mesma loucura são as entranhas de uma fétida imponência qual pesadelo inconsciente que me deixa embriagado, os espasmos de dor de quem já não tem asas e padece de tudo o que é sinistro, de toda a luz afogada, estropiada pelo cansaço de tanta espera, de tanta ansiedade, de tanta miséria…
De tamanha imundície já estou farto!!!
Abandonado, caminho pela noite insegura, deixando, com cada passo, a inocência que antes me abrigava. Sou, finalmente, uma espécie de fantasma que não tem casa nem futuro onde viver e apenas as cinzas de outras eras guarda.
De tanto amar, tornei-me poeta sem cuidado, triste e adulterado pelo espectro de tantos males que preenchem a alma de quem só quis sorrir.
Cabisbaixo, paralisado perante o vale das minhas recordações, peço a quem me desejar bem:
“Rasguem-me o coração de uma vez por todas pois fartam-me as lágrimas, os gritos, os soluços desesperados que a alma asfixiam!!!”
E espero…
E lamento…
E durmo…
O silêncio e outras coisas podres já não me fazem ouvir e o meu nome estará sempre mais além…

Errantes...

Rasgam rios de passos descoloridos onde trovejam os anjos há muito caídos e o vazio lacrimeja de tanto rir... Nas desalinhadas margens, cruza-se o orgulho e o luto como se um fosse vivo e o outro filho de um qualquer esgoto que não sabe sonhar, antes a podridão de outros chorar, e a incerteza do belo que é dia despir...
Ao cair da treva que a Lua conhece, soluça o coração já ébrio, treme a mão que o espelho toca e torna sinistro o mais estranho mistério... Sim! Sou eu quem colhe a claustrofobia das noites pequenas, a bofetada que rasga a carne desamparada e a perturbação que a imagem rege...
Como singelo penhor das coisas sublimes, tenho frases em louvor e outras que envergonha o rancor como se da montanha ao vale apenas fosse preciso um grito, uma exclamação pelos braços caídos, uma pérola desfocada pela cegueira de túmulos que os desertos tanto guardam...
Trocando passos e palavras, atritos e suspiros, ainda há luz no órgão pelo qual o Sol está enamorado e o hábito já não carrega as dores de outras feridas, antes se aventura e desfalece...
Das feridas que os gritos sabem tão bem criar, vêm demónios e outros loucos que obrigam as árvores a se despir da esperança. Afinal, quem manda à noite tem odes e outras falas que mordem os que querem lamentar, pois quem se esquece que é mortal, depressa saberá que não são os segredos que fazem os mistérios mas as mortes que são esquecidas.
As máscaras de bel – prazer, às quais correspondiam o incerto e o maldizer, confessaram ter a podridão como companhia, fazendo com que paisagens já em saudades desfeitas, tivessem o penhor da mortalidade. Sim, essa tão insana verdade!!!
Os suspiros que a intimidade provoca são prazeres imaculados pois têm tudo o que está perto e em lugar algum, uma sensual perturbação que refere a carne comendo o espírito. Quando sós, envolvem o silêncio em sangue, a inocência num estranho calor…
É o despir de uma queda que rasga os tormentos e procura na garganta o murmurejar de sonhadores onde vêm vis e pecadores cortejar o ventre das que eram virgens e das que não tinham amores.
Por ser de uma realeza sem igual, tépida, divina e até desigual, a vontade foi deixada ao largo como dança espectral de corpos sem caminho… e o agreste destino? O agreste destino foi sacudir a prova da incerta palidez e ver, de uma só vez, o que é fulgurante e majestoso ruir… deixando os demónios a rir!!!

domingo, março 07, 2010

Por caminhos arcanos errei (Romance - Excerto)

Deitado na cama, esperava que o sono chegasse como doçura sem equivalência a outros dias. Se tudo vigorasse conforme os meus planos, o futuro teria um maior brilho pois tinha o desejo de dar os passos certos para ser feliz. Apesar disso, por vezes sinto-me abalado pela confluência de sentimentos e ideias que trespassam a alma e deixo-me levar por pensamentos que não desejo conter. Uma fornalha que surge das instâncias infernais como objecto de um esplendor que nos rege como malditos, embrulhados numa sinfonia de prazeres que nada mais de vulgar contém a não ser o medo.
As aberrações que na nossa mente surgem, servem apenas o propósito de nos induzirem a vaguear por dúvidas e, para não cairmos perante avultadas desilusões, devemos tentar elevar a nossa essência perante esse abismo de inegáveis e tácitos prenúncios que constituem a existência surgindo com as indagações que forem necessárias.
Será que o dia a seguir traria as respostas que desejava? Será que as sombras se retrairiam, permitindo-me acalentar o caminho mais puro que a realidade pode trazer? Como um curioso brilho que ardia pela conquista, desejava caminhar até à estação mais fria da existência humana para que a sabedoria me trouxesse melhores frutos, mas preferiria dormir como ignorante se aos meus olhos não houvessem verdades que ainda me impelissem.
Para meu agrado, procurava outro esplendor, outra riqueza que não fosse aquela que é adormecer perante o desconforto de tingir a noite com sombras embora já tivesse pensado se não aprenderíamos mais a sonhar do que a vivenciar. Infelizmente, a descoberta nem sempre surge sem que hajam feridas e se padeça de uma existência em que tudo é banal porque o medo atormenta a existência com a escravidão…
A infame dúvida é veneno para a alma e apesar de saber que o mundo ainda possuiria segredos cujo desenlace não poderia ser determinado por uma visão objectiva, faria o que a condição de humano me permitisse de modo a desvendar o que sentia que tinha de ser desvendado. A realidade nos mostra o quão imperfeitos somos e talvez só precisemos de nos sujeitar à imaginação, deixando prevalecer todo um ideal que muitos poderiam considerar como infantil, mas outros veriam como inovador. Ponderar, assim, sobre as causas e efeitos de certos actos e reger a seu bom tempo uma verdade que nada mais é do que a certa, é o curso que se deve seguir.
Para melhor conhecer e melhor saber o que somos, devemos deixar todas essas regras sociais e sistemáticas que advêm da tradição pois a razão se estende para além da simples observação dos fenómenos. É necessário para o homem moderno, acreditar em algo em que possa usar a sua fé. Seja o seu deus, a sua moral ou falta desta, a esperança, o amor ou qualquer outro elemento criado para inibir os receios da alma.
Enfim… O cansaço regia o meu mundo, o sono confiando uma certa pureza aos momentos menos destemidos quando se preza a inconsciência e se quer enaltecer uma vontade menos carregada de problemas. Apesar dos elementos perturbadores que a ocasião preconizava, seria o meu maior valor encontrar leveza numa outra realidade, os alicerces de profundas deambulações pelo que de desejável revigorava a alma.
A tempestade tocava uma sinistra melodia como se quisesse ser a sinfonia há muito perdida de um qualquer primitivismo animal onde as cores mais vigorosas se complementavam num ritual que podia ser de desejo e luxúria entre o céu e a terra. Deitado na cama, tendo o corpo sucumbido antes ao frio, sentia-o agora quente, embora certos arrepios me tocassem em diversas partes do corpo. Pareciam-me beijos, ardentes toques entre o meu corpo e um outro.
Sentando-me na cama, quis descobrir as cobertas, uma voz de mulher se ouvindo em contrário:
- Schiuuuu… Deixe-se estar deitado…
- Quem és? – perguntei.
- Sou o seu desejo… Kirstin… Não quer fazer amor comigo?
Ia responder… quando ela surgiu de debaixo das cobertas. Conseguia ver, devido à lareira acesa, o cabelo comprido, a forma esbelta, a pose sensual. Aproximando-se dos meus lábios tocou-os com os seus, os seus voluptuosos seios acariciando o meu peito, enquanto as mãos traçavam ardentes desenhos no meu corpo.
- Quero-o muito… Anseio o seu toque… – disse.
Espantado perante o desenrolar dos acontecimentos, deixei-me levar pelo que a inflamava, o meu desejo aumentando cada vez mais. Beijando-me o pescoço, tocava-me nas partes íntimas com a mão esquerda, ruborizando o meu corpo com uma maior intensidade, tudo em mim querendo conhecer o seu interior.
Por entre bruscas golfadas de ar e intensos suspiros, estávamos a nos conhecer ainda melhor, cada toque seu fazendo-me sentir verdadeiro delírio que aumentou quando a sua boca engoliu o que de mais preponderante eu possuía, inflamando-me até a uma considerável loucura.
Kirstin estava a me dar um tal prazer como nunca esperava conhecer aquando da minha viagem para esta parte do mundo. Cada movimento moldando sensações e libertinagem, os puros requisitos de uma sobriedade fingida que já não parecia existir, apenas o frenesim de uma chama que queimava o pudor. Se a moralidade tivesse liberdade para viver, neste momento era considerada impensável porque o nosso desejo era queimar os meandros celestiais de modo a criar um universo de delírio e inclemente satisfação.
Estava quase a conhecer o êxtase quando, subitamente, retirou a sua boca, deixando-me uma amargura e um vazio que não concedia qualquer sorriso.
- Porquê?... – perguntei angustiado.
- Porque tenho um fogo maior para que o seu fogo apague… – respondeu, de forma divina, sensual, as palavras arrepiando tudo em mim.
Virando-se para que ficasse deitada, fez com que depressa me colocasse entre as suas pernas de modo a conhecer o belo interior. Como cavalheiro que concede felicidade e guerreiro que inflama a conquista, desbravei uma outra fronteira, a sensação de reger e ser regido, corresponder e ser correspondido, o ataque e a defesa, tudo tendo como maior certeza que o mundo era apenas nós os dois.
Os seus gritinhos de desejo e amor em chamas, faziam-me conquistar terrenos de exuberante perdição, enquanto as pernas prendiam-me cada vez mais a ela e as unhas cravavam-se nas minhas costas como selvagem oferenda à luxúria. Como mulher que o meu corpo amava, a tinha como tudo de valor para trazer felicidade ao leito sagrado de um quarto, a vivência entre a vontade e a amorosa fúria.
Estava prestes a conhecer a liberdade juntamente com a doçura que me abrigava e um sorriso de bem-estar ardia na minha alma, todos os poros do meu corpo desejando formar um elo eterno com Kirstin. Por fim, a gloriosa resposta a momentos de inquisição surgiu… e deixei-me cair para o lado, arfando a bom gosto, a minha ébria respiração unindo-se à minha amada.
- Nunca pensei que quisesse fazer amor comigo…
- Pensar nunca ajudou nestes momentos, apenas o fogo, o desejo, o encanto de dois corpos juntos – disse ela.
- Sim… mas… o que a levou a me desejar assim? – perguntei, ainda cansado após tamanho prazer.
- O fascínio da sua gentil alma…
- Acha que sou apenas isso?
- Não! Claro que não… descobri que tem também o fogo do guerreiro a arder no seu íntimo.
- Isso sendo porque a amo, Kirstin.
- A Vida nos reserva muitos momentos de prazer mas tenho, no meu entender, um maior à sua espera…
- Qual?
- Oh! Talvez nem o queira conhecer…
- Porquê acha isso?
- Porque talvez o mais importante seja o prazer mais mundano e não um outro que transcenda o corpo…
- Por si, pelo seu amor, pelo meu desejo de a fazer feliz, desejaria conhecê-lo… Qual é?
Por segundos que mais pareciam um langor dissoluto que conhecia o infinito, podia ver o peito de Kirstin subindo e descendo como se a ansiedade lhe tivesse a dar um outro impulso para cortejar e ser cortejada. Colocando-se entre as minhas pernas, deixou-se descer sobre a minha masculinidade, o prazer sendo toques que se repetiam em beijos e carícias, vontades que enlouqueciam a respiração a ser cada vez mais ofegante, a presença de fogo elevando o fogo.
Tudo o que antes tinha sentido surgia uma outra vez, o ânimo sendo cada vez maior por saber que pretendia me dar a conhecer um outro prazer, algo que fazia a curiosidade pecar pela paz. Enquanto o Tempo se esfumava, Kirstin dançava em cima de mim, as suas curvas unindo-se às minhas como se fossemos o par perfeito para enlouquecer a noite.
Espantando-me cada vez mais com o seu conhecimento da nobre arte de amar o corpo, Kirstin tocava os seus vigorosos seios com uma tal ânsia, a cabeça deixada para trás, enquanto longos e sedosos suspiros se libertavam da sua garganta. Era este o cortejo de desejos e influências românticas pelo despertar da paixão, as carícias inebriantes de quem se sente tentado a ser virtuosidade inabalável.
Estava quase a conhecer o desejo realizado até que ela falou:
- Dou-lhe…
- O quê? – perguntei, os olhos fechados, enquanto o corpo tremia com o prazer oferecido, um longo silêncio se espalhando pelo quarto enquanto o crepitar do fogo na lareira cortava o ar.
- A Morte!!!
Sem eu esperar, Kirstin me atacou, mordendo-me o pescoço com uma tal avidez que a carne se separou, dilacerando qualquer harmonia de outrora. Levado pela dor, golfadas de sangue saíam do meu corpo e molhavam a cama enquanto as velas do quarto se acendiam e a lareira parecia ter um maior surto de energia.
Que ser desprezível era este para se perder em indecorosos abismos??? Deixando a sua boca ensanguentada formar os risos que somente a loucura conhece, banhava o seu corpo com o meu líquido vital como se a minha vida fosse mero lixo, nada de precioso perante o seu desejo de um aviltante gozo. O seu prazer, a minha morte, o desfecho menos improvável para tudo o que antes parecia ser a mais agradável das estações.
Para meu horror, as janelas se abriram e as cortinas bailaram como gargalhadas esvoaçantes ao sabor do vento. Incontáveis relâmpagos e trovões sucederam-se mutuamente enquanto eu desfalecia e ouvia os gritos de luxúria e diversão da odiosa mulher que antes me tinha dado tanto prazer.
Um outro leito me esperava que nenhuma clemência parecia permitir, apenas a torpe inquietude de um mundo onde as regras não poderiam ser moldadas pelo dealbar de um inglorioso fenecer. A perdição sendo que tudo o que concedia respeito ao fogo carnal era o carrasco para a minha alma rendida à eternidade. O melhor dos desejos singrando pelo toque funesto de uma panóplia que desrespeitava as cores de uma harmoniosa existência para que eu fosse, se calhar, injustiçado por uma justiça que nunca supus merecer.
Aqui, infelizmente, a inquietude se espalhava como odioso veneno que não tem razão para conceder descanso, disseminando as vertentes escarpadas das feridas mais ingratas que o corpo desejava pôr de parte. A devoção das sombras pelo abismo, o tragar de tudo o que correspondia ao descanso e me deixava sem vontade de lutar… tudo o que sabia a conquista sem glória se for uma conquista onde a sorte acaba por se matar.
Angustiado, não queria ter vindo a este mundo que os meus antepassados deixaram séculos atrás de modo a conhecer a história de uns outros que muito devem ter feito para viver consoante as suas regras. Que bem isso me fazia se agora padecia perante a loucura de uma mulher, o meu sangue vertendo num ritual de morte e lascívia?
Nada moldava pior contraste com o Éden que o cenário que parecia a dissoluta vertente que rege a atormentada escuridão pois Kirstin, na sua demente queda pelo abismo, abraçava-me, beijava-me, bebia o sangue que jorrava da ferida que tinha causado.
As velas pareciam conter enormes fornalhas cuja cera escorria para o chão enquanto odiosos vultos passeavam de um lado para o outro numa correria infernal. Apesar da dor, pareciam-me sombras cinzelando o ar com a mais fétida provação, os olhos fechando à medida que outras vozes, como um zumbido desigual, se juntavam à de Kirstin que ainda ria.
Queria morrer o mais depressa possível e acho que não teria mais medo da Morte do que tinha pelo que me estava a acontecer mas, prece das preces, fui salvo por um relâmpago que deixou a sua tão brilhante marca no quarto e acordei do que era um pesadelo, o inclemente estertor de um trovão ainda ressoando na minha mente. Demorou um bom bocado a me acostumar com a realidade mas, finalmente, o peito se acalmou, a desesperada ânsia pela sensualidade de uma mulher deixada a descansar. Um pesadelo, apenas isso, toldando a vivência que a noite podia trazer, fazendo com que acordasse eram ainda duas horas da madrugada.
Tinha descoberto os contornos de uma infame realidade que privilegiava a miséria e a desarmonia, ambos reles mestres para quem não deseja ser tocado por ambientes funestos e acaba entre o latejar de um arrepio e a dormência de um grito. Saber que o amor e o corpo não ditam espaço à glória quando sujeitos a tamanhos atritos é uma experiência que serve apenas para elevar a mágoa a viver, cabendo a quem deseja sorrir, avançar sem receio. Apesar da ignomínia que é desonrar o descanso, tentei aliviar a alma do peso de momentos atrás e deixar de lado o sufoco que é fenecer a alma.
Que maldição me tinha sido imposta para que tivesse tantos pesadelos neste recanto perdido do mundo? Será que seriam vivências de outras vidas, fantasias que irrompem pela sensação de não conseguir cobrir o medo e seu vil espanto com as melodias da placidez? Talvez o meu inconsciente quisesse que eu pagasse por ter diminuído a honra de uma mulher com um desejo que pecava pela falta de respeito, o qual se deve a todas, incluindo aquela que amamos e com quem nos casamos.
A verdade é que, apesar de a desejar de uma forma menos espiritual, a respeitava por tudo que era, o seu sorriso sendo a beleza que me faltava para conseguir ser feliz já que nunca tinha conhecido alguma mulher que tivesse a mesma riqueza que ela possuía.
Se ao menos soubesse que sentia por mim algo para além da amizade, o seu coração batendo pelo meu em franqueza e romântica firmeza, o meu sorriso seria capaz de conquistar todas as sombras e nem um resquício de pesadelo adornaria as minhas noites. No entanto, era ainda muito cedo para tal, o seu amigo holandês já a conhecendo há mais tempo e tendo o privilégio de uma maior intimidade. Se ela via algo de maravilhoso nele, não o poderia saber, embora a amizade tenha destas cores inebriantes para o íntimo.
A minha correria pela razão e a emoção trabalhavam em conjunto para me fazer ficar acordado, apenas a lareira aquecendo o meu ânimo por estar de volta a tão divina realidade onde a chuva e o crepitar do fogo me tornavam menos louco. Agraciando o peso do cansaço, os meus olhos se fecharam e, após algum tempo, à medida que adentrava o reino do sono, desejei que a noite ditasse outros planos enquanto dormisse, o sorriso me encantando a ser menos nervoso.

quarta-feira, março 03, 2010

A noite e a minha procura por ti

Soube antes escrever o que o céu desenha, os traços escorrendo pela tinta como fragmentos de um pincel desnivelado, as formas divagando sobre a natureza que os teus olhos transmitem mesmo a vários quilómetros da minha realidade. Embebida em leves nuances de paixão e alegria, apenas conseguia revelar os vales que antecediam a montanha onde a tua alma vagueia, respirando os tons de névoa que, como segredos, corriam.
Éramos escuridão e toda a luz reaparecia com a palavra entoada, o medo sacudindo as asas e deitando para o abismo que fugia, a poeira que é o gelo e o sofrer. Existiam sorrisos que, por mais doces que fossem, revestiam as paredes da nossa casa com a esperança semeada e a inquietação angustiada.
- Seríamos felizes? – dizias, as faces coradas, a cabeça baixa, as mãos resguardadas uma na outra procurando não a sua companhia mas um outro calor que colhesse as lágrimas e as tornasse amigas do esquecimento.
A beleza era mais do que a voz… os gestos, os suspiros traduzindo a ânsia, o desejo revelando a natureza, o peso parecendo ser a pluma que acariciava a face.
A música irrompia pelas nuvens que bailavam ao ténue movimento de uma calma ainda infantil, a perda já distante de todos os cinzentos que a fragilidade usa quando nasce pelo valoroso toque da paixão. Éramos únicos e os nossos olhos consumiam os sóis de outras partes do Universo, vivendo o momento de um encontro cujos gemidos caíam através do toque de uma esbelta Primavera onde a diferença era um verde prado sem outras vozes que os amantes desaparecidos tinham evocado.
Sentado numa pedra que ladeava a margem de um lago onde a vida parecia dançar, conseguia ver o teu corpo manuseando o ar com movimentos tão serenos e fantasiosos que sentia que não haveria uma outra sedução capaz de me levar a alma. Era a eternidade respirando pelos meus poros, deixando o medo afundar-se na longínqua cova onde nem a História conseguia adentrar.
Aproximando-me, ladeei os meus braços ao redor da tua cintura, os meus olhos caindo nos teus, os meus lábios afundando-se na emoção de provar a forma vermelha que era o teu sorriso… encontrar a paz, ser mais do que estranho, pintar a alegria nos nossos corpos…
Esperando… ter a Vida ao nosso lado…

Ao suspirar de uma doce loucura

Com os meus dedos, escrevo a minha alma que segue os contornos deste coração apaixonado e vê maior beleza em ti anunciada do que todas as primaveras que tenham banhado o mundo.
Talvez soubesses… a paisagem que me sorria era aquela onde éramos livres de nostalgia e corríamos livremente pelos céus e prados de anjos e fadas, onde o sofrimento era já uma outra realidade e agraciavas a Natureza com a tua sublime luz. O nosso amor e toda a magia que reluz…
Embora mal pensasse nesse momento, cedo vieram as palavras que arrepiaram o meu ser. Após dias de atropelos e fôlegos arrependidos soube que era já tempo de dizer ao universo o que a dor de te ter longe me fazia…
Vestia os olhos de saudades, o Presente, preso às memórias desgarradas, sabendo que os sonhos não tinham a cor de outrora. Faziam-me falta as horas ao teu lado e a minha carne parecia pedra disposta num vazio sem sentido, o nevoeiro e as folhas bailando ao som de um vento de toda a serenidade despido.
A fragrância da harmonia já não residia na minha alma nem os meus murmúrios tinham a alegria dos teus lábios. Sozinho, e apenas por ti seduzido, contava os segundos até me aproximar da tua carne, o coração latejando de nervosismo enquanto não tivesse a tua beleza a me acariciar.
Vertendo horas mal dormidas e outras tantas pelo desencanto vencidas, apenas conseguia sorrir quando te abraçava e ouvia a cândida melodia da tua voz. Na minha vigilante ansiedade, sonhava com as palavras em que vagueavas por uma nova coragem, a confiança iluminada pintando os segundos com o verde da esperança.
Os teus olhos foram sempre as jóias que fascinavam os meus, as carícias sendo a fagulha imponente que latejavam as moléculas da minha pálida mortalidade e que bebiam felicidade com cada toque sem pudor. A simplicidade e as malignas horas nocturnas não condiziam com os suspiros que a alma soltava quando entristecida pela solidão. Talvez houvesse calor no abismo se não te tivesse como serena riqueza piscando os olhos à minha fraqueza para soltar sorrisos a tudo o que era alegre.
Ao teu lado, ma belle, não existe torpor nem a glória é vã sensibilidade que se espalha pelos céus tais nuvens esvoaçando em pálido rumo e sem calor. As horas sempre foram de cinzas enquanto não nos encontramos… enquanto os meus olhos não tinham a tua cor.
Quem me dera deixar de pensar que poderei perder-te e que a Vida será miséria até ao fim, ter a intemporal carícia da felicidade quando os nossos lábios juntos dormissem e esquecer a frágil pétala caída que espreita dentro de mim.
Ao teu lado, é o amor que ditará as batalhas conquistadas e saciará a alma a ser maior, a não ter horizonte a definir, a ser o feitiço que destila o veneno e aproxima o desejo da sedução, a eternidade da mais terna loucura e, por sermos Um, fará, de qualquer momento, palco para este nosso radiante coração.

Saudades e a cor do céu

Estava preso àquele ontem, onde os teus olhos a minha alma compreendiam… As mãos inseguras teimando em fechar-se longe da beleza como se apenas os suspiros soubessem qual a cor do céu quando apaixonado. Se calhar já a viste… afinal, os sonhos têm sempre o fascínio de dar à aurora, qualquer verdade que o coração dita.
Encontrava-me só… e sabia que, onde me encontrava, tinhas dado os teus passos, um sorriso crescendo a cada instante como quando os meus olhos nos teus poisavam. Eras tu que dava alegria ao vento…
A música e as palavras que ouvia não eram as tuas (não cantas… mas és mais do que melodias…), e, por isso, não me deixavam beber da paz… aquela sensação que me absorvia ao sentir-te ao meu lado.
Escrevia… e mais depressa desejava adormecer, poder sonhar que estávamos juntos… e que juntos daríamos aos lábios um outro rubor. As lembranças impressas no fundo da alma como um tesouro por descobrir… Sim, apenas nós o descobriríamos e mais ninguém sentiria o calor dado à terra sob os nossos pés… pois esse era o calor dos nossos corações, a vibrante energia de termos saudades e nostalgia, vontades e magia, a liberdade de se deixar perder no corpo de cada um, fosse qual fosse o sonho sonhado.
Aos meus olhos surgiam terrores… a impúdica água que limpa as janelas da alma e deixa a voz a tremer. Sentia-me bem por estar calado, os dedos segurando a caneta enquanto rabiscava o esqueleto de mais um texto… o teu texto… o que escrevi, e tinha a tua doçura, sempre foi mais teu do que meu.
Lembro-me de quando te foste embora… os meus olhos pousados num livro, os meus olhos viajando à tua procura… Sempre me pareceste o Sol iluminando a minha alma… Sim, eu, a Lua, que sempre precisou do teu brilho, desse feitiço que abria-me os horizontes e via-me a voar para além das nuvens… o eterno manto que abriga a tristeza e a escravidão.
A tua voz é a minha embora um acordo tácito nos faça separá-las, levando os desejos à distância, os sonhos ao esquecimento, a carne viva a estátuas já em ruínas. Cada uma dessas estátuas sendo nós os dois em momentos passados, poses e movimentos pelos tons de luzes e sombras decorados.
Fomos muito em tão pouco tempo e, mesmo assim, tão pouco a declamar (dói gritar…), como prova de que nos une mil pontes, mil segredos e outras tantas riquezas e fontes ansiando por serem descobertas. As palavras nunca murcham e os olhares nunca se estagnam… apenas o sorriso persegue o sono por ser tão doloroso ver, ao longe, tão doce fogo e sentirmo-nos já em cinzas.
A noite é uma longa espera e, sozinho, só me resta dormir…

Por um sorriso e uma voz...

Já a palavra sufocava e o agreste pintar das lágrimas roubava o espaço vendido à luz, o sorriso feito torto pela máscara enquanto as pernas fraquejavam e os segredos pela brisa bailavam. Ao escrever a liberdade, tombava nas memórias…
O meu coração desejava gritar! A primitiva seta apontada ao infinito tentando alcançar a harmonia, o plácido recanto onde todos os medos e dúvidas caíam rumo a um abismo sem fundo, cujo nome nunca foi permitido saber.
Era uma tarde e os momentos eram de paz… A sensação de ter encontrado os teus lábios e sentir a sede findar, revendo no corpo a entoação da alma, a carícia que se pretendia escondida, que se soltou, que levou as mãos já húmidas a rodear a cintura de cada um. Éramos quadros de cores garridas e, infelizmente, sentíamos as nuvens já sombrias tocando os segundos que nos separariam…
Suspirava… Ver os teus olhos iluminar toda a escuridão da minha alma. Aquela que, durante anos, era sempre da cor de um negro morto e que de nada da serenidade parecia conhecer. Afinal, sempre me cortaram na Vida, o sangue vendo-se liberto de todo o descanso que as horas de sono deveriam trazer.
Ao teu lado, vivia instantes de beleza e sentia que poderia isolar a obediência à tristeza, a face teimando em corar perante as verdades do meu coração que dizia:
“Am… “
E calava-me…
A minha procura não possuía espera e apenas mantinha o silêncio porque não havia tecto onde me abrigar, vento por onde voar e apenas a chuva me abraçava enquanto fosse vivo. A memória parecendo uma gravura que duraria milénios por não haver traços mais fortes que a sedutora imagem que a ansiedade pintava… os lábios onde os meus desejavam morrer…
Era uma tarde e os momentos eram de paz… Respirávamos os suspiros que é a febre, a singular proximidade que é essa tão íntima electricidade tantas vezes pobremente copiada pela doce Arte… Tão pouco tempo e já a Eternidade, em outras vidas, nos tinha juntado, engolindo-nos o desconhecido, os sonhos que nem a curiosidade parecia conhecer.
As horas passavam e os sorrisos tinham já os soluços de uma eterna separação, as vozes caindo dos tons outrora vivos para os ocasos que são os atropelos pelos vales da angústia e da nostalgia… Muitas vezes nem sempre o saber que um outro dia haverá, traz poesia a um deserto…
Ver-te partir, levando o sorriso e a voz, a minha alma e coração, deixou-me em tons vazios, apenas um livro como companhia que as gotas de dor impediam de cair. Os meus pensamentos continuaram no teu sorriso, nos teus olhos que os meus observavam enquanto a mão se tinha paralisado e se quedava centímetros acima da tua.
Sentias o meu desejo de te abraçar?
Sentias a minha vontade de te beijar?
Sentias a minha loucura de fazer o mundo desaparecer?
Tomar as palavras que ao meu ser arrepiam, que a ti suavemente acariciam desde aquele instante que vimos como os olhos sabem sorrir. Com o dia e com a noite, criar uma casa só nossa e, suavemente, nos braços de cada um, adormecer…
Era uma tarde, os momentos eram de paz… e a minha alma estava em guerra! As lágrimas, o sofrer, tentar não haver mais… O sonhar e a outra palavra que tão bem rima…

Lamentos de dias idos

Recusei-me a viver…
Despi-me dessa ingrata escuridão
que em dor pronunciava terror e desamparo.
Teci as já gastas melodias de abutres enraivecidos
cujos toques,
torpes,
doentios
e feridos,
ecoavam na minha alma como luz
em meio às sombras da podridão…

Recusei-me a viver…
Caminhei desabrigado, vulto funesto das cinzas
que sopravam por tão desolada aventura.
Cobri-me em gestos,
de orvalho,
de trovões
e lágrimas,
à espreita do vento dos arrependidos,
aqueles que, por séculos,
pronunciaram odes aos caídos
enquanto eu, incapacitado pela memória,
apenas consigo proferir:

“Estou morto… Faço agora parte da História!”

La douleur vivante

La douleur vivante! Sim, é esse o meu verdadeiro nome! Restos de mágoa enlouquecidos pelo vão troar de gotas flamejantes que se perderam no ocaso de estruturas arruinadas, sem energia, sem chama, sem… nada! Sou eu e esses incontáveis pedaços de desespero…
Não sei quantos erros já dei, afinal, nunca achei necessário conta-los… Os anos, esses, simbolizam as agruras, os defeitos, os delírios incontornáveis que toldaram a minha alma. Trinta mil facadas no meu peito que aniquilaram qualquer resquício de inocência que me restou após o nascimento. Não sei quantos mais anos viverei mas, neste momento, isso é o que a consciência me dita. Afinal, porque ser perfeito?
Acordei para este mundo imperfeito numa quarta – feira ensolarada, sétimo filho de uma linhagem há muito criada pelo latim de outros tempos e pelo leito gracioso da Natureza. Nunca pedi muito da Vida mas esta também sempre pouco me deu embora nunca fosse algo que correspondesse ao que ardia na minha alma…
Desde há muito que me incomoda saber que o Tempo passa… Sentir que tudo o que me alegra murcha, desaparece, morre com esses dias que caem como pedras vulgares dentro de um lago profundo, nunca vindo à tona a não ser com a palidez das recordações.
Odeio saber que, aos poucos, morro… Sim, já me soube louco numa altura muito difícil da minha vida, uma altura pior do que esta que vivo agora pois, nesses dias já idos, vivia em solidão, sem conhecer o conforto de uns braços que amparassem a minha queda no poço imundo da angústia.
É nestes momentos que sonho com a floresta da minha juventude. O reino de magia onde era hóspede e aventureiro, inocente riqueza que me percorria a alma suplicando a descoberta de outros horizontes, de outros seres que não temessem a noite, que me despertassem e estas lágrimas, tão odiosas, em queda deixassem…
Já há muito que não sei rezar… As palavras perderam-se ou foram diminuindo de significado pois, conforme os minutos contavam, todas elas quiseram dizer-me adeus. Tenho apenas esta sina de olhar em redor, ver tristeza em tudo que toco e nada poder fazer para sorrir. Afinal, já murcho pela idade, a minha alma conhece nada mais do que cavernas de paredes lacrimejantes.
Desde tenra idade que me vi sozinho, amparado por sonhos e desejos que banhavam a fadiga e deixavam todas as maravilhas de lado. Muitos afastavam-me por saber-me estranho, como se tudo na Vida não o fosse aos olhos de uma criança que sorri sem um outro sorriso a paz lhe conceder.
Cresci… Tudo ao meu redor se modificava e até eu parecia possuir outras propriedades que todas as crianças perdem ao se afastar do seu dia de nascimento… Estranho como sempre pareci, nada havia em mim que atraísse aquelas que o coração soube conhecer… Apenas os olhos diziam a beleza que na minha alma existia e, no entanto, ninguém parecia querer tempo em tal coisa perder…
Cresci… Demorei em a Vida encontrar, percorrendo tempestades e esperanças vãs, tendo apenas um sonho que me fazia a existência desejar: encontrar a paz no Amor…
Com os olhos postos no mar, vendo carícias de ventos e ondas, relembro o dia, muitos anos atrás tinha eu 20 anos, em que conheci a alegria que sempre guardei no coração. Neste exacto lugar me encontrava e, embora fosse Verão, sentia-me desolado como toda a minha vida até então.
A sua beleza tinha conquistado a minha atenção no primeiro momento que a vi e mal ofereceu a sua voz para me dizer “bom dia”, o meu coração recusou-se, desde então, a viver inteiramente para outra mulher.
Conquistando a timidez, guardando-a bem fechada no passado, deixando cair a sombra que ensurdecia o desejo de falar, troquei palavras de encanto, as mais doces sendo dela, as minhas, toscas pérolas de espanto…
O seu nome tinha nobreza como antiguidade, o perfume estonteante da Natureza enlaçado pelo cordel de mil beijos em flor, o fervor de um fogo que acariciava a alma de quem a conhecia, a sensualidade de um bem que tanto de devoção e desejo concedia.
Parecia que já a conhecia desde sempre, o seu sorriso embalando-me nos recantos mais apaziguadores que a paciência poderia permitir. Viva há menos tempo do que eu, não deixava de ter uma alma mais madura do que este sofredor que sempre torceu os dedos de nervoso aquando de novas e diferentes situações, incómodas para quem desejava percorrer o mesmo caminho monótono e confortável desde que nasceu…
Perdi-me sem receio na sua beleza, tendo sido deixada esperança, após me ter dito “até amanhã”.

Toca-me um sumptuoso frio

Velado por um tormento que nasce tal cruel rebento
e onde as memórias já não têm a doçura que antes me fazia rir.
Pinto a saudade com a lágrima, corto a sombra com a desgraça,
e torno-me muralha de sonhos cansados que nada mais faz do que ruir.

A minha demanda já foi tranquila quando ainda não tinha nascido,
um sopro ainda por agarrar, uma carne por mastigar,
esfusiante mocidade agitando o espírito de forma triunfante.
Serei eu agora decadente, caindo em ilusão por apenas me lembrar?

Nessa altura era mais alegre do que um palhaço
mas deixei de o ser quando a sociedade me renegou.
Como boémio, senhor dos ares alcoolizados,
escritor que cria de um nada que só em mim tem eco,
mostrava-me demasiado inteligente para adorar quem com tontices me amaldiçoou.

Talvez o meu caminho seja brando e sem sentido
quando fantasmas e pedintes esquartejam a melindrosa noite.
Um naufrágio tão descontente que corta a calma de repente,
mostra mistério onde antes corria alegria e o torpor temido,
encontra o demónio à espreita de entoar a fogosa melancolia,
ai que se me perde o sangue neste peito ferido.

A confusão é um desencanto que me ensina a ser triste,
que me prende à carícia que é continuar sem rumo.
Levemente, a chuva esquarteja o meu espírito
como se não houvesse lugar que me quisesse
nem voz que me libertasse
deste abismo onde eu e a escuridão nos tornamos uno.

É por isso que a minha poesia vive sempre a esperança tombada,
a vil mancha que dança sem pudor na alma,
o torpe recinto onde as sombras residem amarguradas
sem saber porquê a solidão as quer confortar.

Como cortejo de mágoas estridentes
voam folhas e dançam fadas como loucas desvairadas,
uma ânsia de querer esquecer o que as horas sempre trazem,
porque o que é cor morre com o Outono e as nódoas detestadas.
Ah que rujo à má sorte porque sempre desejei viver!!!

A minha sina é que sempre dilacero o momento
e sem querer troco o jeito pelo estonteado lamento,
um reles construtor sem qualquer riqueza.
Amante de frágil constituição,
durmo porque o dia já há muito que caiu.
Sonho com a ilusão, peço a todos atenção,
mas sei que é apenas o tédio no meu íntimo já podre,
a luz transformando-se em um desejo que sem voz fugiu.

Neste recinto descontente onde os meus passos acabam,
pairam poeiras de todas as miragens sem sentido.
Em deprimente dissertação, pondero, tolero e tal como num canto sem esmero,
repito os porquês de o fogo não ter vontade de me enfurecer.

Oh se as ninfas de voz caída as mágoas entoam,
se os deuses libertam frutuosa palidez,
se os fantasmas não querem descanso e visitam parentes,
porque não me lembra o dia a paz quando é preciso?
Talvez porque pense que a minha poesia lembra um pouco a Narciso…

Sozinho, após descansar o corpo num leito imundo,
bebo deste charme que é enlouquecer sem proveitosa melodia.
Envaidecido, peço músicas que alimentem e não gritos que afugentem,
mas que fazer?
A alvorada ainda vem longe
e já perto da cortina que a tudo esconde paira o meu ser.

Pois…
Se existe um paraíso, de certeza que para lá não vou
pois sou preciso no inferno como professor.
Um amante que cobre buracos com palavras,
que lateja a carne com a rosa já erguida,
que ataca e dilacera o vazio que a mente corrói,
vil e doce língua cujo crime é morar em pecado onde já não estou.

Chama agora por mim o império dos corvos e dementes,
onde flui a grande dor de já não haver rima.
A inspiração acaba-se com a minha morte em tons de carmim,
já nada mais tem sabor…
Estou além de vós, quebro um sorriso por fim.