domingo, julho 07, 2013

Thought

I've given myself too many paths to walk through.
Some have been right, others wrong.
Many, I discovered afterwards what they were.
That's what I've always been, an adventurer, a free thinker.

Pensamento

Se não estou em erro, é porque estou quase.

Pensamento

Vivo em monotonia, nada me sabe a pecado!
Talvez um dia, conheça uma outra boca, o fascínio e a alegria e assim, ria, ria e ria sem alguma vez provar as intrigas que amargam o silêncio.

Thought

We may doubt that ghosts exist, not memories.
Yet, aren't memories the most horrible ghosts?

Pensamento

Hoje, tenho uma ténue memória de tudo que me tocou, talvez porque o que mais me importava ainda martele o seu esplendor na minha alma.
Sinto-me doente, o meu sorriso sendo acariciado pela ténebre sombra que gargalha como se a minha dor de nada importasse. Tal como se a felicidade fosse um terreno baldio sem orgulho, as minhas lágrimas caem arruinadas pela detestável promessa, aquela que o amor tanto quis conceder.
Penso demasiado na noite, no silêncio e na morte. Tento ser valente, caminhar como se este fosse o meu mundo mas… Que beleza conceder ao sol quando nada que seja luz importa?
Bem, talvez amanhã descubra que estava errado...

Pensamento

Pensar não dói. O que muitas vezes custa é raciocinar sobre causas, efeitos, prós, contras, sobre o que se deve criar ou destruir. Se não o fizermos, mais vale dizer que somos fantoches.

Thought

I gaze more into poetry when night is within me.
I gaze more into life when night is around me.
Night is my way of creating, of living.

excerto de "Resquícios de estranhas sinfonias"



Por entre as melodias das aves e a brisa que traz leveza ao coração, conseguia ouvir uma doce voz de mulher entoar palavras que traziam paixão e encanto acompanhada pelo toque sublime de uma harpa. Não sabia que a gentileza também morava por estes lados, que havia uma outra luz que satisfazia a juventude com a formosura renascida nas delícias de uma riqueza que espelhava a bem – aventurança.

Aos poucos e poucos, fui caminhando até onde a voz se ouvia melhor tentando não assustar quem pudesse estar a cantar. Escondendo-me por detrás de uns arbustos, pude espantar-me com o que de mais doce tinha sido criado…
Num cenário vestido de colunas brancas, diversas plantas que ornavam com sobriedade e bom gosto as paredes ao fundo, podia ver a mais bela mulher que a realidade ou os meus sonhos me tinham antes dado a conhecer.
Aparentava ter vinte e poucos anos, longos cabelos louros, levemente ondulados, desciam até à cintura, os olhos rasgados, e mesmo assim, grandes e brilhantes. Os lábios eram finos, invocando beleza com cada sopro, o corpo coberto por uma fina vestimenta de linho branco e que nada devia à deusa por quem artistas de todos os séculos enlouqueceram. Sim, até eu fui levado por aquela cascata de emoções que é ser encantado.
Não haviam adjectivos mais doces ou sinónimos mais sublimes que pudessem formar uma frase rica em conteúdo, uma única frase onde eu não visse a palidez de uma tentativa desafortunada. Para meu pesar, nem uma outra frase que pudesse apresentar-me de forma digna surgia… Afinal, que conseguiria dizer se até as minhas roupas possuíam o toque de uma sombria morada e se estavam todas inebriadas pela poeira e por um manto líquido?
Desejando saciar a fome de paz e harmonia, aproximei-me um pouco mais de modo a observar melhor a sublime beleza que regia este reino tão perto do paraíso quanto o outro que tinha visitado parecia estar perto daquele lugar macabro que até as próprias palavras temem descrever.
A mulher que observava surgia como o impulso que vibrava pelos poros do meu ser, o formar de um gesto cadenciado pelo sorriso, a voz divina que sustinha a imensidade de todas as jóias que a Natureza poderia oferecer. O embalo das notas musicais fazia-me guardar as carícias que nunca nenhuma outra mulher poderia ofertar, não parecesse este o canto mais especial que o Universo poderia ter criado, não fosse esta a brisa que inspirava as nuvens a dançar alegremente banhadas por um Sol que parecia saído da Primavera, em direcção ao jocoso Verão.
Não sei explicar a ânsia que sentia pois o fervor mais doce tocava-me a alma e tornava-me um pálido desconhecido, como se os segredos que regem a nobreza que transpira sentimento, me levassem para um quarto onde tudo seria mudo e apenas os olhos poderiam descrever toda a situação.
Ser-se mortal possui os seus princípios e, para além de todas as faculdades intelectuais e emocionais, temos de nos render, de vez em quando, ao quadro que pinta os nossos defeitos físicos. Sem conseguir suster um fim, pois as roupas molhadas e o calor que sentia assim me obrigaram, espirrei…
Parando de invocar a alma com os lábios e dedos, a rapariga perguntou, a voz tão bela quanto o seu canto:
- Quem aí está?
Envergonhado perante a nobreza do seu porte, adiantei-me, sentindo-me um vagabundo sem qualquer brilho perante o requinte de outra classe.
- Oh! Um homem!!! – exclamou, visivelmente espantada.
- Desculpe incomodá-la. O meu nome é Olivier Dean Pryce e não sei como vim aqui parar. Ouvi a sua voz e quis ouvi-la um pouco mais. Desculpe se a amedrontei… - afirmei, terrivelmente desolado por poder ter cometido alguma falha
- Oh, não se preocupe… Há muito tempo que não vejo ninguém…
- Quer dizer que está aqui sozinha? - perguntei, verdadeiramente intrigado.
- Sim… Há tanto tempo que aqui vim parar e tudo se resume a momentos que passam… Durmo e é dia, acordo e é dia… Não há noite que visite este paraíso. Mas, um homem…
- Há muito que não vê um?
- Oh… Existem esculturas mas há tanto tempo que não vejo um vivo. A artificialidade de tais objectos de Arte não conseguem relembrar-me como verdadeiramente os homens são…
- De carne e osso como vós, possuidores de um vasto leque de emoções e ideias que transmitem fogo onde apenas a matéria crua existe…
- Sim, acredito que sim… Este lugar é um paraíso no verdadeiro sentido da palavra e a Natureza não tem qualquer pudor em mostrar a sua magia. No entanto, se sou Eva, falta-me um Adão…
- Eva? É o seu nome?
- Não… Não me lembro de onde vim mas sei que o meu nome é Isanthya… Um nome já antigo, que deixa a alma rimar com a frescura das águas, a espuma do mar…

excerto de "A singular magia da devoção"

Apesar de não pertencermos às forças da Lei, Jonas entregou a mim e ao meu pai duas espingardas e levando connosco a coragem e a vingança lá fomos em direcção a onde tinha visto os dois malditos. Como não conhecia qualquer outra entrada para a caverna, embora de certeza devesse haver, decidimos não perder muito tempo a tentar encontrá-la. Além disso, entrando por aquela parte que conhecia, de certeza que os apanharíamos desprevenidos e assim mais facilmente os levaríamos à Justiça.
Cautelosamente, deixamos os cavalos um pouco mais longe da entrada da caverna e fomos a pé até ao lago. Aí, descemos a margem com o máximo cuidado e penetramos aquela protuberância rochosa que era o covil dos que fugiam à moralidade, um dos nossos tendo uma lanterna para guiar os passos que déssemos.
Era Jonas quem ia à frente, secundado por um homem mais novo mas de forte constituição e que parecia tão ansioso quanto eu. Ao longe, ouviam-se vozes de homens que se misturavam com gargalhadas e um choro de mulher, Elizabeth, que, a uma ordem dada por um deles, parou a sua melancólica dissertação.
Ao ouvi-la, quis aproximar-me o mais rapidamente possível mas o meu pai agarrou-me no ombro e, apertando-o, disse-me para esperar. Só os céus sabem o quanto tive de me controlar para não correr até onde estavam e vingar os justos… mas esperei, o coração batendo mais rápido, a respiração mais difícil.
Temendo o pior, percorremos o espaço que faltava até chegarmos a uma sala interior. Escondemo-nos atrás de uma grande rocha e foi daí que pude ver os dois que tinha visto antes conversando. Enquanto estes estavam de pé, cinco outros homens, que davam à infame corja um ainda pior nome, estavam sentados um pouco mais à frente a beber o que devia ser whiskey como se fosse água. Elizabeth estava encostada à parede, os joelhos encostados à cara enquanto os braços os rodeavam como se quisesse se proteger e esquecer o que lhe tinha acontecido.
Jonas olhou para nós e, com o dedo encostado aos lábios, pediu-nos para não fazer barulho. Com um outro gesto, ordenou a dois dos seus ajudantes para se aproximarem dele e, apontando, dispararam para os homens.
De imediato um deles foi morto enquanto os dois outros tiveram melhor sorte ao serem feridos. Os restantes, surpresos pelo que tinha acontecido, depressa tentaram se proteger, qualquer álcool que tivessem ingerido não parecendo ter algum efeito. Gritos de dor e de pânico inundaram o recinto enquanto o homem mais alto dava ordens aos seus companheiros para se apoderarem das armas e ripostar. Estes, conhecedores de intrujices e insensibilidades provaram ser também detentores da lamentável arte que destitui a humanidade da inocência e assim nos fizeram frente como tigres prestes a atacar a presa.
Lutamos bravamente, tentando sobrepor a nossa superioridade numérica à ácida falácia dos trastes que combatíamos mas tivemos a pouca sorte de, poucos minutos depois, um dos nossos ser morto e se estatelar no chão à minha frente, a cara sendo uma mancha de sangue.
O meu pai, homem com mais frieza do que eu, continuou a disparar, tentando vingar a honra do justo que tinha caído, enquanto eu sentia um ataque de enjoo e vómito. Resvalando pela ansiedade, ainda estive uns momentos parado como se de um espectador me tratasse mas, lutando para vencer a desolação e o medo, continuei a disparar contra a corja até que, de repente, ouvi um grito de mulher.
Atónito, pensei que um dos tiros tinha acertado Elizabeth mas quis a injustiça que o destino dela fosse um não menos trágico do que esse.
- A rapariga é minha refém e se não nos deixarem fugir podem ter a certeza de que ela pagará pelo vosso acto!!! – gritou o homem que se chamava Ceryl, a raiva transbordando em cada palavra proferida, o estranho sotaque cortando a nossa língua em trejeitos dissonantes.
- Não!!! – gritei também, o medo assomando à minha alma.

excerto de "Sentiam os meus passos na escuridão"

Normalmente era à noite que os levava a terminar a sua existência, firmando um contrato permanente com a realidade que comandava, um manto de espectros e inquietas sensações povoando o meu mundo que rivalizava em grandeza com toda a beleza que diziam pertencer a este tão singelo cenário. Adorava os gritos de pavor ou até mesmo aquela mudez que é descobrirem que já não existiam mais segundos a lhes conceder vida, que eu era o Mestre que lhes cortava a esperança quando, tempos atrás, tinham sido eles, a cortar a fé de maiores riquezas daqueles que não mereciam ser sacrificados pelo seu egoísmo.
O sabor a sangue, o refulgir de dezenas de serenatas à meia-luz onde a lâmina encantava a carne, toda aquela proximidade com um destino que nunca souberam tão perto mas que Eu, a Morte, lhes ensinava como receber. Eram todos assassinos, desmiolados que se assumiam como inteligentes mas cujos actos eram apenas migalhas, reles hóspedes da minha grandeza que já não mereciam continuar numa realidade longe da minha. No meu reino, a história seria outra pois lhes ensinaria que a Morte merece o respeito de tal posição…
Uma noite, muito tempo após o iniciar da minha demanda, caminhava por um longo e sombreado quarto, os meus passos sendo leves estertores na casa abandonada onde mais uma das reles criaturas se encontrava. A sua presença não transmitia qualquer encanto a não ser aquele que se repete pelos confins da rústica imensidão que é ter as desoladoras sombras como conforto, a tentadora brusquidão que delimita o corpo e empalidece a alma. Eu, pelo mérito que não me tinha sido dado, faria o possível para vingar a honra ao terminar a existência de mais um que entoava um mundano prazer ao saber que as raparigas que seduzia, violava e matava, eram apenas meros objectos condenados ao seu bel-prazer.
A corja de falsos seguidores que nenhum tesouro promete e que renega a cortesia de ter o meu nome como promessa final iria perder mais um dos seus pois tal homem não merecia mais anos para seguir o seu apego à ingratidão. Se antes, por vontade própria, não indicava que a sua conduta tinha o meu mérito, porque razão o iria desculpar, deixando-o ter uma existência sem o sabor da minha vitória? Nunca o fiz em relação aos outros e não o iria fazer agora!!!
Talvez me dissesse, tal como os outros o fizeram, que a sua disciplina era amortalhada pela minha existência, que não devia morrer só por não ter dito a quem matava que o fazia em nome da Morte. Mas de que me valeria isso??? Onde estaria o respeito e o valor que merecia, o crédito que é inspirar a conquista de outros terrenos, aqueles onde a minha glória é maior??? Não!!! Uma vez mais tudo acabaria e eu faria o possível para mostrar a todos que era a mim que deviam enaltecer e não o seu egoísmo!!!
Silenciosamente, desci umas escadas que levavam a uma cave, uma parte da casa onde o ingrato de certeza estaria. Se eu fosse um mortal como ele, não haveriam dúvidas sobre o medo que sentiria pois tudo isso era eu, o deus que conquista e se deixa levar pelas promessas que a Vida contém, sabendo que todos, ao nascer, terão de me conhecer.
Um certo sorriso brilhava em mim, talvez a ganância de me apropriar da rude energia que o Tempo tinha dado a certos dementes que pensavam que somente eles mereciam deter o direito sobre o término. Ele, o homem com um banal movimento de carne e ossos, depressa descobriria que não deveria brincar com coisas sérias, que o meu encanto era símbolo da mais divina riqueza.

excerto de "Que fortuna o mar esconde"



Para minha ruína, fui traído por em quem confiança tinha mas que mostrou ser a concórdia com tudo o que regia essa serpente primordial. Quão vil é a ganância, uma doença tão absurda quanto a peste que se deleita com o sofrimento de outros em nome de uma riqueza que corrói a alma! Uma noite e já tudo tinha sido esquecido…

Agora, como sentinela de uma espera há muito amaldiçoada, as lágrimas que cobriam o meu olhar tinham o riso de quem já não sabe como ser feliz, um coração espezinhado pelo toque de um sorriso que guardo no íntimo, o devaneio que uma cansada magia oferece ao pudor de nada poder fazer. Sejam leves ou pesadas, as lágrimas tinham sempre a mesma acidez que revoltava, um destino onde a mais pobre nobreza surgiu incauta e cortou todas as asas que nós, anjos, possuíamos para voar.
Após um sono onde toda a beleza me conquistava, acordei numa cama vazia, perdido entre os lençóis ainda quentes por antes terem coberto os corpos de dois amantes. Vários homens a rodeavam com espadas na mão e expressões de escárnio como se todos estes anos tivessem sido de lamentos e abusos.
O que tinham feito à minha rainha? Estariam os meus filhos bem? Que mal tinha feito a estes meliantes para ameaçarem o reino e a família regente? Será que detestavam saber que a maior harmonia que podia adornar a Vida seria dormir e acordar feliz? Será que o respeito, a compreensão e a felicidade não serão os mais valiosos sonhos que desejemos realizar?
Infelizmente, às minhas perguntas nenhuma resposta satisfatória surgiu, apenas insípidas ordens que cortavam ainda mais a vontade de sorrir. O ultraje era ser rei de todos e saber que existia quem não quisesse a sóbria conduta que nascia do meu desejo.
Humilhado, fui conduzido à sala do trono e conheci uma assembleia de meliantes, liderada por Daiken-Melchior, todos pretendendo deturpar tão estimada harmonia. Até então, esse era o meu mais nobre conselheiro mas, nesse momento, sentado no meu trono, me olhava com um ódio que nunca lhe conheci ao qual eu respondi com a perplexidade.
As suas palavras atingiram-me com a vileza da infâmia, aquela sensação de que não existe desespero maior do que saber que a vida que se conhecia já não mais existe, que a liberdade era um fôlego sem fulgor. Eu era agora um rei destronado porque não desejava adicionar à grandeza ao meu reino atacando os reinos vizinhos de modo a ter mais terras e fortuna.
- Prefiro ser o mentor do meu povo rumo à harmonia e não o causador da sua perda! – gritei, convicto da sabedoria das minhas palavras.
- O nosso povo não tem mais fortuna do que a que tinha no reinado do rei Alexis!!!
- Mentira! Somos agricultores, pescadores, arquitectos, artistas, comerciantes…
- Uma riqueza tão estável como a água de um lago onde nem a chuva nem o vento infligem a sua magnificência.
- Como tudo leva o seu tempo, ainda estamos a aprender a melhorar os dons que todos têm…
- E quanto tempo levará para chegarmos ao nosso auge??? Não merecemos ser mais do que ovelhas? Não merecemos ser lobos com sede de conquista???
- E fazer mal a quem nunca nos fez mal???
- Fazer bem ao nosso povo que merece muito mais!
- O nosso povo ou tu?
- Basta!!! Não ponhas a ridículo o que merecemos!!! Tragam a rainha!!!

Pensamento

Não me preenche aquele conceito de que parvo é o mudo, o surdo ou o cego. Parvo é aquele que pensa que manda o que quiser e que nunca sofrerá o que não quiser!

excerto de "A suave intriga"

− O mundo já é perfeito, não precisa da minha arte.
− O mundo nunca será demasiado perfeito para a Arte.
− Não acredito. Vejo-o, sinto-o e é tudo tão inalcançável para mim. Não o posso melhorar quando pinto.
− O mundo não pede para ser melhorado através da Arte. Apenas podemos descrevê-lo da melhor forma possível dado o facto de sermos tão falíveis.
− Erramos tanto quando descrevemos o mundo. Surgimos com uma visão tão alterada que até pensamos que não estamos a viver neste mundo, mas num outro, um tão estranho e corrupto que nos arrepia e consome.
− Então, o artista, quando cria baseando-se no que está a ver, mente?
− Todos os artistas mentem. Só assim é que conseguem ser originais…
− E por que não queres mentir?
− Eu queria poder descrever o mundo tal como ele é, mas, quando pinto, deturpo-o.
− Somos produtos de tentativas e erros. Desistir de algo só porque é difícil não nos faz bem.
− Eu nunca desisti! Apenas sujeito-me a outras experiências, a outras verdades que não sejam as que tento criar.
− Preferes observar do que criar?
− Sim.
− Isso não te prejudica?
− Como assim?
− Consegues observar o que os outros criam sem te sentires mal?
− Nunca senti inveja.
− Não falo disso. Nunca sentiste saudades de criar, de fazer algo por ti, vindo com uma arte só tua?
− Tento não pensar nisso.
− Porquê?
− Se pensar nisso, talvez recomece a pintar e depois descubra que não posso parar, que pintarei até ao final da minha vida e que serei sempre triste.
− Porquê pensas assim?
− A meu ver, o mundo é demasiado perfeito. Assim, tudo que nele existe é como deve ser. Há uma luta constante entre o Bem e o Mal. Há tanta beleza e tanta fealdade que nos faz sorrir e entristecer. Como é que poderia criar algo que fosse tão verdadeiro quanto o mundo é? Se voltasse a pintar, tentando e errando, até ao final da minha vida, não teria um momento de paz pois sempre pensaria que aquela flor, aquela árvore, aquele ser, tão vivos quanto me pareciam na altura, já não me transmitia a mesma energia e o mesmo encanto. Teria de admitir que eu o tinha morto.
− Se a pintura te faz sentir assim, porque não experimentas uma outra arte? Cinema, Fotografia… Os anos passariam e terias a certeza de que, por estarem ali, existiram, também a incerteza sobre o facto de estarem ou não vivos.
− Não penso na vida de forma tão simples.
− Nem eu. Se a vida fosse simples, de que valeria a pena viver?
− Há sonhos que caem e outros que começam.
− Não era um teu sonho, criar?
− Sim, era.
− Já não é porquê?
− Os anos passam e um pouco da nossa felicidade murcha porque descobrimos que não somos assim tão bons…

excerto de "A singular magia da devoção"

Era a primeira manhã de Primavera de 1858 após meses de solidão invernal. Tal como percorro o Tempo com o perfume agridoce da memória, percorríamos, com os nossos passos, uma floresta inusitadamente densa e coberta de milhentas cores que apenas a Natureza soube imaginar.
Era esta a época do nascimento, do renascimento, da inovação, da renovação, dos olhares que se cruzam, dos apertos no coração. Para nós um período festivo consagrado à amizade que nos unia desde a infân7cia ao mais platónico dos amores, a um acordo tácito que nos ligava além dos dotes de qualquer mundana paixão.
Éramos ambos ainda abençoados por tão bendita estação e não imaginávamos voar para além dos poucos anos que revestiam os nossos corpos. A Arte fizera-nos curiosos, a Vida aventureiros mas sabíamos que a nossa verdade nos dizia muito mais. Nunca deixaríamos a floresta que nos tinha sempre abrigado.
Com os sorrisos que nos enfeitavam a face, sentíamos que fervilhava uma maior alegria ao nosso redor, tudo por uma amizade ainda criança que sustinha as nossas almas abertas para o magnífico horizonte deposto pelos deuses para adoração dos simples mortais. Consagrado a pintores que bebiam da beleza, o cenário verdejante irrompia banhado pela esfera cintilante que assomava o céu diurno. O Tempo, que nos tinha feito nascer, nos tinha mudado de diferentes formas. Eu, do aspecto franzino e pouco interessante, tinha crescido em tamanho e robustez, em sensibilidade e cultura. Ela, do aspecto desengonçado e tímido, tinha adquirido alguns centímetros a mais e curvas voluptuosas, delicadeza e inteligência. Afinal, este era o prólogo da vida adulta e apenas tínhamos pouco mais de 17 anos.
Para que não haja sobressaltos, seduz-me a ideia de suster nas minhas lágrimas todas as memórias que contiveram a plenitude da juventude, um leito rico de frutuosas ilações que apenas o Tempo concebe e que nenhum rico ou pobre é impedido de conhecer.
Para além de reconhecer uma certa empatia em todas as maravilhas que contemplávamos, algo mais nos aproximava, algo que tinha desdém ao jocoso arabesco que os olhos enriquecem. Desde há vários anos que a infância nos tinha ensinado a partilhar pensamentos e sentimentos tal como um jogo que liberta a alma das correntes que a aprisionam à indesejada solidão.
Nos meus sonhos, ainda ocorrem imagens de espelhos líquidos que a Natureza soube plantar nas planícies desalinhadas encravadas em terra firme, falsas gémeas do mar. Não me sentia conduzido a um sentimento de empatia com a água, antes o fulgor que revestia as saudades de um amor e da memória do dia em que vi Elizabeth, sentada à beira de um lago, procurando o seu manto liquido tocar.
Foi nesse mesmo momento que o meu coração soube viver para além do corpo. Viesse dia ou noite, chuva ou sol, brisa ou vento e até um milhão de tempestades como prenúncio do apocalipse e nem de um milímetro de um tão perfeito amor poderia eu afastar-me!
A partir de então, fui cobiçado pelo nervosismo, regido por uma tal erupção de sentimentos que nenhum outro pensamento conseguiria idealizar além daquele em que declamava toda a prosa e poesia que a alma e o coração conseguem invocar. Éramos perfeitos no nosso diminuto reino de luz e alegria, conforto e bem-estar, a inveja de quem já perdeu a razão de viver nada tendo a ver connosco. Se estivéssemos a mil léguas de distância, tal não seria suficiente para separar as nossas almas, a certeza de que não existiria nenhuma forma verbal que corroesse os pensamentos da devoção que nos banhava.

excerto de "Os lamentos que a alma invoca"

Perdoem a minha falta de humildade e vejam as seguintes palavras como aquelas que surgem de um homem que se “perdeu” em divinas paisagens que foram o seu berço e, espero eu, o seu leito de morte. Se existe algum paraíso na Terra, este será, pelo menos para mim, o que mais direito possui, pois revela todo o significado da palavra Beleza, quando a pensamos no mais doce e profundo que contém. Afinal, não será a Beleza, a eterna deusa dos homens que procuram inspiração nos inocentes recantos deste nosso mundo? Oh! Quanto eu daria para que houvesse muitos mais paraísos na terra, pois, se algum dia Woodenthrone morrer à custa da ganância do Homem, perder-se-à a inocência de gloriosos tempos e uma nova e trémula alvorada nos esperará.
Embora o fenómeno da beleza ainda paire na minha mente, a minha alma contém ainda aquela estranha sensação que é sentir uma outra realidade pairando como um velho abutre que apenas sobrevive à custa da morte de outrem. Desculpem esta tão brutal queda após vos ter agraciado com tão sublimes adjectivos acerca da região onde nasci mas, tal como o dia termina, também a noite tem de começar. Como poderia suplantar a Natureza e dar-vos um tão grandioso espectáculo tal como o pôr-do-sol se um simples humano sou?
Já alguma vez se fartaram do mundo agreste que o ser humano criou? Já alguma vez ousaram enfrentar todas aquelas sombras que nos fustigam com medos, em simplesmente desejar conhecer? Lembro-me, talvez com um estranho sorriso, dos momentos em que o velho Grimm, mordomo do meu pai, tornava as noites de tempestade ainda mais aterradoras com os seus contos de seres perdidos nas sombras, maldições eternas, demónios que aterrorizavam aqueles que eram descuidados. Não sei se me contava tais histórias devido a um secreto desejo sádico em aterrorizar-me ou talvez tivesse um outro objectivo menos lúgubre e pretendesse apenas entreter-me, no entanto, enquanto crescia, sentia-me cada vez mais terrivelmente fascinado por essas histórias que exercitavam a imaginação e as emoções terrenas. A partir de um certo ponto da minha vida, deveria ter uns 16 anos, comecei a escrever sobre tais tópicos. Muitas foram as histórias que desde então escrevi e dei a conhecer ao mundo devido ao ímpeto de procurar a verdade além desse véu que nos confunde e aflige, chamado Vida. No entanto, aquela que vos vou narrar, surgiu na primeira metade do Sc. XIX e poderá ser considerada verídica. Se não me acreditam, peçam a qualquer habitante desta região que vos conte a história de John Reeves. Saberão então que um escritor pode criar do nada mas, por vezes, relata a verdade.

excerto de "E o mar guardou a minha alma"

Pintei os meus dias com as lágrimas da tua perda, o desenlace de memórias já idas que ainda me sabem aquecer com quem já não tem luz. O mar sempre foi a tua casa, a tua sina, um enorme jardim de novidades que pecava apenas pela amarga distância que desenhava.
Lembro-me de sermos crianças, de percorrermos a praia de São Tiago com os nossos pezinhos rosados brincando e sorrindo como quem não conhecesse outra vida. Sim, havia fome, mas estar ao teu lado fazia-me feliz. Afinal, que dizer do amor que nasce tão jovem, da ansiedade de ver os dias passar e ter a oportunidade de estar junto a quem a alma diz mais do que tudo o resto?
Passávamos noites observando as estrelas, fugindo da ânsia de se ser escravo de uma ordem natural, tomando apenas fôlego no ar que cada um respirava, libertando o desejo, tesouro mais valioso do que qualquer furtivo beijo. Cedia-se carícias ao desconhecido, palavras soltas que cada um arriscava tomar como suas, inflamando o peito com um sentimento mais valioso do que qualquer tesouro.
Tiveste de te afastar da escola para seguir as ondas do mar, mas o professor que tudo me ensinou, deixou-me vaguear pelas ondas dos seus livros, a inspiração de outros anos que perdurava no papel amarelecido das memórias. Aí encontrei, nos momentos de ócio, outros mundos que esta ilha jamais me poderia dar, embora soubesse que apenas o teu coração, apenas a tua alma, apenas os teus lábios sonharia para sempre tocar.