sexta-feira, março 12, 2010

Um sonho lembrando o mar (Conto - Excerto)

O anjo…


Ao vaguear por esse terreno encantado que é a alvura etérea do viajar, tive a incerteza de olhar para um recanto que meu não era, a posse de todas as quedas e lamentos sendo uma distante memória desabrigada pelo firmamento enquanto os passos eram dados, uma espera sendo apreciada e, pela alma, rimada.
Sendo curioso e corajoso, firmei consentimento com a terra que à frente me esperava, passando por árvores, arbustos e flores como se o vento estivesse preso aos meus pés, um coração de fogo no meu peito batendo. A minha vontade seria descobrir o que existia neste jogo enevoado que é ser posto desabrigado num mundo desconhecido onde nem a prosa nem a rima têm sabor!
Ecos de valorosos momentos passaram e todos eles de encanto me cobriram pois já se aproximava o fechar do dia e, com este, novas e flamejantes cores libertavam o seu perfume. A minha vida conhecendo um outro olhar, a libertação sem qualquer queixume a não ser ter de ver as estrelas só e mal acompanhado como se alguém ordenasse solidão como paga de memórias que não sabem brilhar.
Uns outros passos e já me chegavam aos ouvidos o som de um mar liberto, a sedução de uma dança com a terra encantada onde posto tinha sido, no entanto desejando, a enorme vontade lamentando o que harmonia não era. Ardia-me o pensamento querer encontrar alguém que me desse a conhecer a razão de aqui estar, posto ao abrigo de um dom estranho que é não saber em que casa se irá dormir, a liberdade tendo duas asas quebradas que se arrastam tal vermes sem sedução.
O meu brilho era tal como a queda do sol ardente, o sorriso como a ponte entre o abismo e o céu, desvirtuando o cansaço que já a noite ecoava como oferta de momentos em que o sono pudesse estar presente pedindo aquela carícia que tanto desejava merecer. A impossibilidade de me lembrar das horas em que o sorriso fosse maior sujeitava-me a estar descontente mas não iria deixar de caminhar pois talvez aquele perfume a mar, fosse o início de uma outra vida. E assim foi…
Com o olhar sagaz, o espírito sendo um voar de ideias, o coração ardendo como fruto de sensações desiguais, vi então uma figura feminina. Talhada em finas formas, o encanto que é mulher disposta perto de uma enseada enquanto o mar era ríspido e dissoluto, como se procurasse recolher da terra o espaço e o tesouro que achava ser seu.
Estendida na praia, desacordada, tristemente frágil mas de um encanto que vagava pela celeste beleza do que me a fez adorar, parecia uma deusa no seu leito preferido, a suavidade do éter que tinha descido à terra enquanto as ondas serpenteavam tais vales e montanhas que não queriam a calma.
Sorrindo, deixei-me ficar por longos momentos enquanto a observava, tão majestosa quanto o amanhecer, a respiração sendo fruto de uma certa melancolia que a fazia pálida, desprotegida… Talvez, tal como eu, tivesse caminhado por longas horas, o cansaço tomando conta da sua doce forma, ou talvez esperasse por alguém, uma fagulha de sorte que tão bem conhecia… Enfim, a minha curiosidade era imensa e o único sentido que sentia nesse momento era fazê-la feliz, tentar arranjar uma cura para quaisquer males que a afligissem se, por acaso, os tivesse, esperando que fossemos os únicos neste recinto de encanto.
Com um leve toque na sua cara, os longos cabelos pretos cobrindo-lhe parte do corpo, a ninfa que tanto me adoçou o olhar acordou… Os olhos azuis perscrutando o horizonte próximo como se não soubesse onde estava…
De repente, agitou-se, deu um grito e se levantou, a respiração sendo agora forçada, deixada ao mesmo ritmo que as ondas do mar. Acalmando-a, disse-lhe que estava tudo bem, que não lhe iria fazer mal, que só a queria ajudar.
Olhando para mim com ar de espanto, perguntou-me quem era…
- Não tenho nome para lhe dar… desconheço quem sou… não sei quem era… Existo aqui… Apenas isso… E o seu?
- O meu nome é… é… não sei… Tudo em mim existe como névoa… sou apenas o que sinto e o que vê…
Por momentos sorriu, a minha respiração tornando-se mais rápida, a cortesia de ter encontrado uma mulher que em tudo em mim tocava a mais bela melodia, que tinha a beleza de mil paraísos… para depois desaparecer.
Atónito, os olhos fechei para depois abrir mas o mesmo vazio ainda lá se encontrava… a mulher que em muito adorava… já não me fazia estremecer com o encanto de a ver…


A ninfa…


Supus um sonho… encontrei a beleza… um anjo… mas acordei… a minha realidade… a minha mais agreste certeza sendo que o homem com quem sonhei parecia comigo sonhar… a magia de um toque de ondas ao lado das quais adormeci, cansada, visivelmente enfastiada com o facto de que a beleza que procuro só em sonhos poderia encontrar…
A gentileza de um sopro que me fizesse sorrir, pensar, sentir, desejar, vivia ainda dentro de mim…
Por anos, vi-me só por vontade, por não ver riqueza em outras vidas, todas elas pálidas, materialistas, retorcidas… enquanto procurava a poesia de um coração que quisesse a tudo me dar atenção… e não apenas procurar o conforto de um corpo, um momento pelo Tempo cansado em laivos de tentações onde não havia abrigo para o sorriso.
Passava o Tempo perdida entre livros, a casa e o mar… Olhava para tudo o que era lado, o céu sendo meu confidente por possuir milhentas janelas onde a minha alma podia voar. A inquietação induzida pelo que procurava fazendo-me estremecer… sabendo que nos sonhos, devido à mais gloriosa das magias, tudo podia acontecer!
E aconteceu… Perdi-me nos seus olhos… Castanhos, vigorosos, cheios de fogo onde podia a alma aquecer.... onde queria me perder por serem olhos de anjo, de vontade divina, de apoteose merecida que me fazia estremecer,
Nunca esquecerei a sua tão bela face… Não lhe via qualquer cabelo mas os olhos profundos diziam-me muito mais, vertendo uma ansiedade mútua, um respirar que podia se tornar uno… se eu não tivesse acordado e deixado a triste e desiludida realidade me fazer em agonia o encanto vencer,
Agora, nestes solitários passos em que faço o meu caminho, procuro apenas uma outra noite, um sonho onde o possa encontrar, sentir que tem mais do que beleza para me dar… a firme alvura de uma alma que, com a minha, rime…
E se encontrasse a felicidade em sonhos?
E se a eternidade me concedesse o desejo de viver?
Oh! Jocosa melodia que se firma como gloriosa vontade e me faz feliz!!! Será que algum dia esse homem me trará a felicidade que há tantos anos desejo e nunca me quis?


O anjo…


Cobre-me um encanto que não sei onde me irá levar, um soluço que me deixou imobilizado perante a mais bela mulher que alguma vez passou pelo meu caminho.
Os meus passos tendo agora uma força desigual como se ela, ao desaparecer, me tivesse deixado sem coração, levando toda a magia que poderia representar, a poesia descendo dos céus e, em outras cores, me fazendo estremecer… um frio que me cortava o corpo, se não fosse a alma, enquanto via as cores de um poente a terra cobrir.
Ainda olhei para o mar, a revolta de outrora sendo agora um murmúrio, o espelho da minha alma um triste recanto que nada me trazia de sereno. Pensar que a tinha perdido mesmo antes dos seus lábios sentir, uma fagulha que não tinha conseguido como fogo viver…
O Tempo era uma distância que afugentava a ligeireza do encanto da Natureza, deixando uma torpe lágrima cair do meu olhar. Um paraíso encontrado e perdido num piscar de olhos…
Atordoado, ainda deixando os pensamentos se distanciarem no horizonte divino de um outro momento, escutava o suave bater do mar na praia e não notei a aproximação de um outro ser, o toque de uma mão no meu ombro fazendo-me virar.
- Voltei… - disse a mulher, a ninfa, a deusa, que tanto me fascinara.
- Sim… Fico feliz por tal… - respondi, o sorriso se abrindo na minha cara.
- Não o conseguia esquecer…
- Passou tanto tempo, a angústia tomando conta do meu ser… Para onde foi?
- Não sei bem… lembro-me de certas partes mas a minha memória encontra-se enevoada, como se tudo o que não fosse aqui, fosse uma pálida existência antes de neste recinto nascer…
- Sim… entendo-a…
Por longos momentos, nos olhamos nos olhos…
Os seus tão belos olhos azuis sendo mais cativantes, de uma serenidade delirante, do que todo o mar e as suas profundezas.
Sorrimos… a vontade de sentir uma outra vez o toque do outro cobrindo-nos com uma tal paixão que talvez não houvesse um momento mais desejado do que aquele em que, dos desenhos acariciados pelo olhar, os lábios conduziram o coração a outras certezas.
Doce… Suave… Ternurenta… Tão divina era a sua boca unida à minha…
A vontade desmedida de possuir a elegância do amor em tão carinhosos toques nos fazendo suspirar com a mais bela das emoções.
Ao beija-la, deixei a confusão desaparecer, sabendo que tudo o que desejava já tinha, pouco me importando se a ausência de outras recordações assombrava a minha mente pois era esta que desejava, este momento que fosse eterno e que não espalhasse uma névoa ingrata ao meu redor!!!
No entanto, vi-me outra vez só… a minha amada tinha desaparecido…


A ninfa…


Um outro sonho… Uma outra vida… Nós os dois… Tocados pelo mesmo destino…
Fui levada pelo condão da tristeza, a patética desventura de, por duas vezes, ter encontrado um tesouro e tê-lo perdido com os meus passos pelo mais terrível dos cenários.
O primeiro sorriso tinha sido quase uma semana antes, tendo vivido os momentos de espera em inquietação e pálida nostalgia, em nenhum lugar encontrando a magia que tanto me tinha feito sentir viva.
Fartava-me ter de, em voz alta, dizer que só tinha um sonho que me pudesse aquecer.
Sim… Um sonho… O homem que tanto me tinha feito conhecer o verdadeiro amor tinha sido fruto de um sonho, uma espécie de acordo mágico entre dois mundos de modo a abrilhantar um e outro com a finura de tão brilhantes palavras, a doçura de inebriantes espasmos por entre céus e mares de magia.
A Vida…
Se a Vida sabia sorrir, devia estar a soltar gargalhadas ao fazer-me crer ser cinza e ilusão pois o único homem que gostaria de no meu recanto privado encontrar não estava ao meu lado e nem sabia se algum dia voltaria a estar.
Mesmo assim, não esquecia o seu sorriso, o seu terno encanto, os olhos abrigando muita da luz que me faltava e muita da juventude que procurava.
A Felicidade me tinha aberto uma porta, um segredo desvendado pelos etéreos caminhos da sedução onde tudo possuía uma tão maravilhosa certeza.
Neste momento, neste recanto, sentia-me caída, tocada pela memória desses tão doces lábios e não podendo nem devendo a minha loucura gritar. Seria considerada louca se já não o fosse por ter vindo para aqui viver, longe de tudo e de todos, apenas eu e o mar… o sonho e o desejar.
No entanto, tinha precisado me afastar das afirmações e indagações de quem não é justo e sincero, de quem se impele a caminhar perante a lividez de espíritos doentes que dizem ser os correctos, que a Vida não deve ter o encanto do coração mas que apenas o dinheiro e outras coisas materiais importam.
Repugnava-me saber que o mundo onde tinha nascido tinha as cores da infâmia e devassidão, que já não existia oportunidade para o encanto, para o dia ser belo e a noite ter tudo menos as sombras de um vazio que não traz paz.
Oh, o meu amado… Ainda conseguia vê-lo… Os seus olhos tão belos ensinando-me as cores da harmonia, o seu toque de homem corajoso, de poeta orgulhoso, de suavidade sem par. Ao sonhar, tornei-me sua, descobrindo que mais ninguém me poderia fazer assim sentir… Uma mulher que lia um poema sem fim num mundo de nuvens que talvez tivesse sido criado unicamente para ela…
Eu… A afortunada…
Parecia-me que esse sonho tinha durado uma vida pois, enquanto sonhava, tinha conseguido esquecer a realidade e povoar uma outra com o mais belo que podia criar, não fosse, desde antes, uma aventureira que não tinha medo de desbravar o desconhecido.

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