terça-feira, março 30, 2010

"O mar profundo dos meus olhos" (Conto- Excerto)

Num só momento, senti que a minha vida eram passos desorientados à chuva, um rasto invisível deixado em palavras que me tornaram frágil, uma estátua de cristal que chorava pela morte dos meus pais. Qual é a perfeita descrição para um estúpido acidente de automóvel e o rasgar de insanidade que a infância não quer conhecer? Pobre e latejando pelo que já não podia voltar, a partir desse dia, tinha eu 13 anos, tive o conforto de uma terrível sombra, o terno desencanto de um suspiro agarrado a memórias onde havia febre e a matéria mais insalubre que poderia chamar-me como sua. Nem os meus tios e primos conseguiam me libertar daquele choro que era recordar…
O nascimento e aquele choro que é sair à força de uma casa que tão bem nos protege… Quando se tem a riqueza que uma família concede, é possível sentir que se pertence a algum lugar e que a outra casa já não importa. Os nossos passos são guiados pelo amor que os nossos pais nos dão e temos a confiança que é mostrar uma maior liberdade em falar, cantar e dançar até que o cansaço nos grite que, mesmo quando se é a jovem loucura, é bom descansar. Infelizmente, quando se perde tudo o que nos faz bem, é difícil conseguir sorrir, agarrar o momento com a sobriedade necessária que impele a alma a construir frutuosas melodias que digam que os sonhos são belos, como antes sentimos que foram.
Nesses momentos em que a solidão me chamava, as lágrimas apenas tentavam com que me esquecesse de que já me senti bem, que já tive uma família onde encontrava a fortuna de sentir-me agraciada pelas cores que somente a harmonia consegue pintar, aquela vontade tão grata que é de nada precisar.
Agora, de muito precisava… Sem conseguir reencontrar a calma, tinha o desalento como o pregar de convulsões e trágicas entoações a outros mundos, o afastar de uma realidade que se contorcia por dolorosos momentos em que tudo estava bem, uma gélida máquina que trabalhava sem piedade em seu próprio beneficio apenas para me martirizar e mostrar que eu merecia ser infeliz.
Por vários anos caminhei só, nunca sabendo o que era viver, tentando adormecer a mentira de já não poder me abraçar àqueles que moldaram o seu amor em mim, as suas vozes sendo ténues ecos do que já foi certeza e que agora eram fulgores lamentados. Cada pedaço de mim era uma morte ambulante, uma queda num recanto inglório de onde não havia fuga…
Um dia, escrevia as minhas angústias num jardim, presa ao passado e até a mim, as palavras caminhando cansadas pela noite em que o Tempo me tinha mergulhado, prova infértil de que nada parece ser glorioso, apenas eu e a morte dos meus pais, a minha passagem para um terreno sem paz. A palidez troteava o seu desespero queimando as parcelas de serenidade que a bela infância queria sorrir, a única forma de dizer ao mundo o quanto tinha sido feliz, a minha imortalidade lembrando a sedução de uma solitária existência.
Chorava, o meu peito mergulhado naquele mar que afoga a placidez, um abrigo que não desejava merecer, sem sequer saber que mais palavras poderia colocar na folha de papel cuja metade estava em branco como se estivesse à espera de um rasgo de luz para a embelezar.
A minha alma era vazia e ao longe apenas as nuvens pronunciavam serem ricas como se apenas elas pudessem ser livres… sentia-me condenada a vê-las vaguear sem a condição de humanas e, se choravam, imaginava que não era por mim. Quem choraria por mim se morresse e levasse todas aquelas recordações de infância, pensamentos destituídos de viçosos ecos que ninguém conhecia porque o que escrevia era só meu, as dores e clamores de quem já não sabe que mais iria perder.
Não me conhecia salvação até que apareceste, meu amor, e me cumprimentaste com o teu doce jeito de ser, dando-me a conhecer sorrisos atrás de sorrisos, enfeitiçando-me com as palavras e as melodias que pronunciavas. Eras poeta e sabias como preencher a minha alma…
A tua beleza tinha o favor dos anjos porque o sorriso era de alegre vida, aquele desenho que os lábios criam quando tecem uma tal majestosidade que não parece ser deste mundo. Oh, amor, foste o único a me seduzir com a força que é vaguear por cenários de magia onde se podia livremente dançar por serem prova de um paraíso, aquela cortesia que é criar beleza onde antes nada havia. A sensação de poder saciar a alma com os beijos que me davas, o calor do teu corpo sendo aquela riqueza que me fazia feliz pois contigo voltei a de nada mais precisar… tudo que eras, o que sempre quis agraciar.
Com os dias, conheci o terno encanto do teu olhar, a alma que sorri, um encontro com o mais doce que é gritar felicidade, o orgulho que é não proferir melancolia, o desejo de arder cada vez mais num recinto onde só nós os dois existíamos, aquela graciosidade que é permitir ao desejo gritar bem alto que a Vida é uma cortesia de um Verbo que anuncia ser rico. E rica me sentia contigo me beijando todos os dias…
Sim, era feliz e o mundo não me importava, o passado já não me repetia tanto a sua dor, a minha alma sendo a sinfonia que não se cansa, os olhos brilhando porque a alma continha esperança e a Vida lembrando que a sua magia já não era apenas gentileza. Contigo, tornei-me aquela que caminhava altiva, senhora de si, confiante que existia maior brilho no futuro porque o teu sorriso era vibrante e me fazias sentir segura neste mundo ingrato.
Eras a preciosa prova de que podia ser finalmente amada por quem merecia o meu amor!!!
“Trocaria o dia eterno pela noite eterna se, com ela, viesse a tua luz… Só preciso de ti… Encontrei-me no teu olhar… O mar profundo dos teus olhos e o desejo de nele mergulhar…”
Fazia-me bem ouvir-te, mergulhar em ti em todos os momentos com aquela ânsia que é sentir que o momento sabia deliciar, que os nossos corpos eram tão belos juntos e as nuvens que longe passeavam nunca mais me poderiam atingir. O meu poeta, aquele que fazia as palavras dançar e me compreendia nesta loucura que é o vazio a ser preenchido, o tecer de filamentos de ouro que compunham uma riqueza que somente a alma poderá conter.
Os nossos dias eram perfilhados com aquele sabor a amor e sexo, o delicado e delicioso reino de dois amantes que deixavam-se ir pelo que era o coração e a carne, o desejo de abrilhantar cada segundo com a homenagem à Arte, uma outra, a nossa, a mais verdadeira de todas antes conhecida. Contigo, sentia que criava os maiores poemas, que tu eras a minha inspiração, um momento que se compunha por belas estações e cuja descrição só podia começar e terminar pelo mais verdadeiro amor.
Por tanto tempo sorri ao acordar sabendo que era amada por um poeta e que poderia criar ricos textos onde a desejada altivez não poderia acabar. Infelizmente, chegou o momento em que me soube demasiado estúpida para antes perceber que o teu olhar não tinha o significado que lhe dava, que a tua poesia caía em pobres verdades por serem fantasias… Tantas palavras, frases que pareciam feitas para me seduzir mas que nenhum valor possuíam… Sim, nenhum valor possuíam!!!
Sempre me disseram que deveria ter sido actriz… Disfarçando o meu amor com o véu etéreo que surge dos sonhos, pensarias, se calhar, que estava completamente apaixonada por ti, cega para todos os teus outros movimentos… e estava mas, despindo o manto que é a ignorância que o coração cria comecei a reparar nos teus olhares para certas rapariguinhas. Pensavas que nada via mas uma mulher conhece muito bem quando o seu amado desvia a atenção nem que seja por segundos para admirar outra mulher mas elas nem isso eram… Faltava-lhes uma certa maturidade que os anos poderiam conceder e as rapariguinhas que parecias admirar eram apenas adolescentes que nada sabiam da vida e que estavam a dar os seus passos de modo a conhecer o seu corpo… e o de outros.
Lembro-me da noite em que me encurralaste entre a inquietação e a desolação, a vontade de fugir de tudo o que era vida levando-me quase à loucura… Pensava antes que me amavas verdadeiramente mas não, apenas querias um pedaço de carne fresca, quente, sentires-te desejado e nem entendo o porquê de me teres levado contigo para esse baile de máscaras que mostrava que eras um sádico, um pervertido sem alguma moral. Como péssimo actor, tinhas uma condição que desprestigiava as palavras, esses poemas que criavas e que eram belos mas que não tinham alguma verdade, pois mereciam ser declamados por quem conhecia a justiça do coração. Maldito seja quem te deu o dom de embelezar os cenários mais áridos com a poesia que a tua alma não possuía!!!

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