quinta-feira, novembro 08, 2012

Febre


À noite, não há silêncio que me queira embora desdenhe as sombras que me pedem ajuda porque me fartam as esmolas de irmandades pútridas e sem qualquer riqueza! A alma, como se nunca tivesse sido jovem nem conhecido o prazer de um estonteante calor, é pintada com um cinzento-dor que lembra a angústia de promessas deixadas ao sabor de um reles vento, estas esvaziadas da sua glória pelos lamentos de fantasmas sem moradia.
            Aqui, neste reino que não conhece qualquer harmonia, troco tantas palavras com a pior das loucuras e perfuro o céu com gargalhadas porque não me interessa o que tenha a ver com o tédio, o que rima com a luz, o que professa beleza, encanto ou subtileza. Pois… Nada que interessa ao pudor me pode vestir pois já há muito o meu íntimo cedeu ao delírio que é nunca adormecer e eu, parco em orações, conduzo as nuvens a esconder o sol e a inocência. Que me importa o seu brilho se nada têm de valor para quem conhece mais da escuridão?
            Para que saibam, nasci entre demónios e poetas, cedo conquistei a luxúria com o descalabro dado a quem professa a sua glória entre os mortos e converti os sonhos de inocentes em pedaços entorpecidos de um só inferno. A minha caminhada, sendo aquela de quem não é servo de reis ou rainhas, de profecias ou dúvidas, mas de quem pretende o desbravar da terra humedecida pelas lágrimas de quem já sofreu. Hum… Talvez pensem que tal seja apenas uma demanda dada aos espectros mas, hoje, o quê sou eu? Afinal, o meu nome vagueia entre os vermes e depravados, a minha voz é ouvida em milhentos banquetes onde o asco e a podridão são celebrados, as minhas pegadas podem ser vistas entre tristes ruínas e detestáveis memórias.
            Oh abominável encanto que é proporcionar a existência com o mais reles desejo! Sempre o quis esquecer com as palavras de quem peca de mundo em mundo, de quem é demasiado atroz para com quaisquer sorrisos, de quem padece de deformidades que lembram as convulsões de redemoinhos sem fim. Se tenho os trejeitos de quem já está morto, é porque todo o sangue que antes corria nas minhas veias é agora um rio e o desconhecido, aquele mar que bebe de mim.


Jorge Ribeiro de Castro

(declamado aquando do Sarau MadCake Halloween no dia 31/10/12)

Petulância


Sou, provavelmente, demasiado estranho para adormecer
neste reino onde os mortais vagueiam.
A minha alma é um palco de batalhas insensatas
onde as sombras e as dores apregoam feitiços,
onde as memórias e as feridas regem discordâncias,
onde as tuas verdades e as tuas mentiras caem pelo meu hediondo riso.

Embriagado,
tenho trejeitos de insanidade e vocábulos de depravação,
suspiros que são lâminas ensanguentadas
e gritos que desenterram qualquer dor.

Deslumbrado,
caminho por estradas feitas de ossos de quem nunca me pôde ver,
cativo a noite a padecer de males nunca imaginados
e subscrevo um poema em que só a glória dos pecaminosos existe.

Sim, traço teoremas mal definidos,
árduos desenhos provocados por duras punições.
A minha arte sendo voos e quedas em que mal respiro,
feridas e dores que se juntam como prémios de quem está farto de tais lições.

Sim, há manias a mais no meu fôlego,
talvez porque há mundos a mais na minha imaginação
e pontes que se ligam de tantas maneiras à rebeldia,
que fazem-me procurar algo mais belo do que a simples ovação.

No meu peito, arde a sensação de que os meus actos
são de uma abominável genialidade que ferve, transpira e grita.
Talvez seja a noite, o álcool ou a droga que me impelem a ser assim.
Para uns admirável riqueza, para outros um palhaço vazio,
e eu, apenas confortado pelo papel e pela tinta,
em nada disso me fio!

Sabem, muitas vezes escrevo imaginando-me num patético esgoto.
Aquela habituação que faz o brilho cair
sendo o bater de um relógio descompassado
que impele a harmonia a ruir
e desfaz a certeza em filamentos sem cor.

A minha poesia é arrancada a lágrimas e lamúrias,
a tortuosa voracidade sendo uma fome que nunca preenche,
esta tão pérfida, resmungona e detestada,
que para nada serve e para nada servirá
a não ser para ultrajar a vida com a dor.

Podem pensar que estas estranhas ideias de um suposto altivo
são palavras desgastadas pela presunção,
mas, para mim, são apenas miseráveis paisagens descritas por pobres e podres meios
para que a virtude pondere procurar a riqueza que antes fugiu.
Se esta tinha medo?
Não sei, estou sempre tão além de tudo que nunca a conheci.

E assim vos digo que muitas vezes me esforço
por ser tanto quanto a alma me pede,
mas muitas vezes sou enganado pela mais estridente insensatez.
Se algo em mim fede?
Desculpai-me, sou humano.
 Por favor, enquanto eu não sair daqui,
que tapem o nariz.

por Jorge Ribeiro de Castro


(Declamado aquando do Sarau MadCake  no dia 08/09/12)

segunda-feira, junho 11, 2012

Não me sinto reles quando sonho, apenas a minha pele queima porque os teus beijos fazem-na arder, um sopro tão quente que o sol até cai e a manhã não chega e nunca chegará. Somos a noite, somos fervor, somos tudo o que quisermos, até um mistério que perfura a solidão e encontra sorrisos além da compreensão mundana. Nunca ninguém saberá quem somos, o que somos, o que fizemos e o que faremos. Nunca ninguém viverá ao nosso redor, falará connosco ou nos tocará. Não nos interessam as outras cores, tal como não nos interessa a manhã que nunca chegará. As carícias... sim... sim... sim...

- Promete-me uma coisa...
- O quê?
- Quando eu morrer, não chores.
- Porquê?
- Quero viver dentro de ti...
- Mesmo que eu chore, viverás dentro de mim.
- É que, mesmo que eu seja cremado, o mundo terá o meu corpo. Quero é que o meu espírito consiga agarrar-se ao teu, que nunca se afaste. Teria uma infinidade de tormentos por não saber onde estarias, por perder o amor que tanta felicidade me deu enquanto vivia.
- Nunca deixaria o teu espírito se afastar de mim! As minhas lágrimas seriam de dor por não te poder tocar mas de alegria por sempre te sentir.

Porquê a alma não se escoa por eu tanto escrever?
Talvez porque a alma não seja um lago mas um universo...
Enquanto procuro, outros descobrem...
Enquanto sorrio, outros choram...
Enquanto sonho, outros morrem...
Enquanto nos beijamos, não há universo mais belo do que o nosso...
A corrosiva imponência das palavras na boca de um poeta que morde, que rasga o silêncio com o arejar de madrugadas e penetra a fogosa sensibilidade de uma bela mulher...
Tantas esperanças passaram pelos meus olhos, queimaram a minha alma como se esta fosse de empréstimo.
Pensei demasiado, senti demasiado, sorri demasiado, chorei demasiado, caminhei mais do que algum dia pensava poder fazer.
Tantas personagens de outras histórias olham para mim como se eu fosse um renegado.
Não têm mais nada para fazer?
Se caminho e não lhes dou importância, pensarão que sou louco?
Não me importo!
Apenas escrevo, voo e vivo...
Sim, quero fazer mais do que sofrer!

segunda-feira, abril 09, 2012

- Blarghhhh
- Hey? Why did you say that?
- Blargh is my way of saying that I don't like!
- That's a very strange way of saying it.
- No, it isn't.
- Yes, it is. You could just say that you don't like.
- Yes, I could but it wouldn't express that I really don't like.
- Well, you could just say that you really don't like.
- Yes, I could but I really, really don't like.
- Why you really, really don't lik...e? Don't you want to get married?
- Well... ehhh... Yes... Yes!
- So?
- I just don't like that your father is pointing a gun at me...

sexta-feira, abril 06, 2012

Finalmente uma promessa arrepiada!
Atingi-a com o meu bafo quando a dor a mutilou...
Não sei quanto tempo queimou nem me interessa se das cinzas algo nasceu, apenas sorri e caminhei, a dura prova ficando para trás...
Amá-la?
Não sei se posso, mais parece uma prisão onde a miséria gargalha, onde a felicidade não quer entrar, onde parece que estou a mais...
Que não me considerem impecável!
Sou, por vezes, demasiado intratável para prestar para alguma coisa do que uma amena cavaqueira sobre os prós de um beijo.
Dado, não roubado, como já me aconteceu, uma noite que perfumou a minha alma com a loucura, que fez-me virar a alma num ângulo de 90º. Sorri, oh sorri por tudo que é belo, expressei-me em mensagens apaixonadas e apalermadas, respirei como nunca antes o fiz e vali-me de um inquieto charme pouco tempo atrás não descoberto.
Ainda me sinto abismado, capaz de me deliciar com a escrita mais estranha, mas, perguntarão, com menos sede?
Dizer que sim seria a pior mentira de um louco!
Enquanto o sono não vem, surgem-me desejos que são rasgos de tantas cores apanhadas pela mortalha da noite onde a minha língua desenha um rio de sinuosidades ofegantes nas tuas coxas. Sem nada a perder, enfio-me e grito-te como se um mundo quisesse vir, aberrante, tempestuoso e inquieto. Os teus olhos dançam como satélites à volta da terra e enrolas-te em mim como serpente afogada pelo fogo. Sem te pedir, contas histórias entre os gemidos, falas do prazer, soltas-te no futuro... ´
Ah! Idiotices! Nada me prometas! Nada me prometas!
As palavras de nada valem, são lâminas enferrujadas pelo momento que já caiu! O que importa é o que agora nos une, esta ponte que ainda não ruiu...

quinta-feira, março 15, 2012

Loucuras

Um pouco de mim corre nas tuas veias, um pouco de mim sangra no inferno, tudo porque ainda me lembro do paraíso mas vivo num lugar onde a incúria é veneno.
                Arrepiado, inconstante e, mesmo assim, feliz por amar e praguejar, voo com apenas uma asa, a outra tendo caído quando deixei de ser inocente. É por isso que me vêem atartamelado e as minhas palavras são ecos disformes de tudo o que navega na alma… Sim, são disformes porque nunca sei traduzir da melhor maneira o que é criado dentro de mim.
                Se estou calado e pensativo é porque me sinto longe da pálida realidade que não sabe convencer e disserto comigo mesmo sobre todas as ilações e hipóteses. Se aparento estar feliz, conquistado pela dissonância da ebriedade, acredita que uso uma máscara que confunde porque não quero pensar em algo mais do que o momento.
                Não sei se algum dia o que tenho desabará, se cometerei o erro de demonstrar que não sou assim tão certo, que a minha alma e o meu coração lutam contra a minha mente e o meu corpo. Várias vezes, são estas últimas essências que ganham, tal como a minha solidão ao esbracejar vitória e eu, dilacerado, culpo-me pelas quedas, por nunca aprender a calar todas as dúvidas e baboseiras quando é o verbo mais valioso, aquele que deverei sustentar!
                Cabe à alma e ao coração ensinar a mente e o corpo a viverem…
                Cabe ao que resplandece, fazer com que o opaco deixe de transmitir a sua doença, abrir todos os lados com a virtude que é o conhecimento…
Se algum dia te reencontrar, acredita que não serei o mesmo.
                Afinal, sem ti, sem essa fragrância que tanto me conquistou como me defraudou, saberás que não tive outra opção a não ser morar num outro reino.
Poderei pintar o mundo de muitas cores, afinal, as palavras também têm esse dom. No entanto, a minha alma continua de preto...
Já me disseram que sou demasiado simpático...
Bem, de certeza que certas personagens dos meus livros irão discordar ;)

quarta-feira, março 14, 2012

Costumo ser menos vivaz de manhã, isso porque os sonhos me tiram toda a força, mas basta-me um sorriso, um só sorriso, e já voo...

terça-feira, março 13, 2012

Não temo a noite quando arde em mim a loucura do sorrir!
Tudo porque as sombras não existem!
Tudo porque a lágrima não acorda!
Tudo porque ouvi o riso dela e alegremente renasci!!!

Uma tempestade num copo de vinho (vídeo-arte)

O vídeo-arte completo, "Uma tempestade num copo de vinho", que esteve patente na exposição "Toma-te o vinho", concebida pelos Mad Space Invaders no Instituto do Vinho de 27 de Janeiro a 17 de Fevereiro. ^_^
Fotografias de Alexandra Dionísio.
Texto, declamação e vídeo de Jorge Ribeiro de Castro

Que vejam e dêem a vossa apreciação!!!

http://www.youtube.com/watch?v=iy06N8XLkB0

Quando se erra, pagamos...


– Não sei porque tiveste de fazer figura de parvo perante todas aquelas pessoas!
– Saiu-me…
– Caramba, um homem com a tua idade, a tua experiência e o teu cargo… Porque raios é que não pensaste antes de abrires a boca?
– Eu…
– É preciso ensinar-te tudo tin tin por tin tin outra vez? Já não aprendeste com os erros dos outros? Pensa antes de falares!
– Eu…
– Até o teu amigo que deveria ser ainda mais responsável foi-se queixar de que não tinha dinheiro para as despesas! Logo ele, com o cargo que tem, não tinha dinheiro para as despesas? Como é que ainda está vivo? Porque raios é que não pensou antes de abrir a boca? Homens… Vocês só pensam é com o car…
– Oh, não… Tu bem sabes que não…
– Não tenho tanta certeza disso. Afinal, vocês os dois já vieram com merdinhas. Todos estão a gozar e quem é que fica mal? Quem? Eu e a mulher dele!!! Não acredito que disseram o que disseram! Parece que estou a falar com um adolescente… E olha que já passei por isso estes anos todos… Tu és um pateta! Sinceramente, não sei como é que ainda te amo…
– Também te amo, minha florzinha. Vá lá, perdoa-me…
– Não sei… Daqui a uns dias falamos…
– Mas…
– Preciso de estar só…
– Não posso dormir contigo?
– Já disse, preciso de estar só…
– Amorzinha, por favor, eu quero tanto dormir contigo… Prometo que não te toco, só quero estar na cama contigo…
– Já disse, estou chateada contigo e preciso de estar só por uns dias!!!
– Não… Por favor…
– Porra, Bunny, pára de chorar, não sejas piegas!!!

segunda-feira, março 12, 2012

Para os curiosos em relação à exposição "Toma-te o Vinho" no IVBAM, concebida pelos "Mad Space Invaders" e que decorreu desde 27/01/12 a 17/02/12, e aos poemas que declamei aquando da finissage. :D

http://www.youtube.com/watch?v=GBOZe4LScNE

Por caminhos arcanos errei (e-book)

O meu 4º livro, "Por caminhos arcanos errei", um romance de mistério, romance, suspense, tragédia e erotismo...
Download gratuito, comentários construtivos desejados!!!
 
http://www.mediafire.com/?aqz6cgpiq9b6u5p

O cortejo das virtuosas solenidades (e-book)

O meu 3º livro, "O cortejo das virtuosas solenidades", composto por 8 contos de mistério, romance, suspense, terror, tragédia e erotismo...
Download gratuito, comentários construtivos desejados!!!


http://www.mediafire.com/?v3b6d75usc4r1zb

Conclusões...


É-me difícil transformar-te em algo mais do que a descrição da minha loucura, inverter o caminho que tão bem escolhi para que não deixes de ser pureza. Não, não sou assim tão magnânimo ao ponto de te dizer que sei inverter feitiços, passar da cerveja para a água, lacrimejar a sensacional vontade… a tua, que é caminhar com uma certa magnanimidade.
Por vezes, sou um tanto discordante co...m a serenidade que pretendo, um aprendiz que tenta não ser o bobo que antes vagueou petrificado e se a minha alma grita é porque não há qualquer tempestade que possa esconder as minhas falhas. Se me vingo da vida anterior arrepiando a minha carne com as lágrimas, é porque uma certa crença espalhou a sua bondade pelas minhas veias e me conquistou para além da monstruosa realidade.
Lembras-te daquele dia em que te disse que iria entrar num certo lugar que me fizesse bem? Talvez não pensasses nisso, mas já estava a falar em suicídio… Não, não me referia em acabar com a minha vida, mas deixar de me importar com a ténebre sociedade que muito procura afastar o indivíduo do seu caminho e deixar de procurar aquela patética glória que é me afirmar melhor do que os outros só porque sei escrever.
Ah como fui tonto naquela altura! Olhava para as pessoas de alto a baixo e, se nenhuma qualidade artística via, pensava logo que não eram interessantes. Claro que falava bem com elas, mas, por dentro, celebrava uma certa pomposidade porque sabia que não seriam conhecidas cem anos após a sua morte. Não como eu, claro, que já tinha uma certa reputação…
Foi preciso apareceres para eu “acordar”, para começar a pensar que estava totalmente errado. Uma mulher tão nova, bela e inteligente que me fez descobrir, durante o nosso relacionamento, que não sou melhor do que as outras pessoas, que todos temos a nossa sorte e a nossa burrice. Há que respeitar para ser respeitado e, se possível, deixar de pecar. Não é por eu ser escritor que devo andar por aí a me fazer de bom! Lembrando-me, isso só demonstrava o quão ridículo eu era, não achas? Ah, patetices…
Bem, vou sair agora do facebook… Agradeço-te por tudo e desculpa-me se desapareci durante algum tempo… Ainda não te tinha dito, mas tornei-me padre e daqui a pouco vou rezar a missa.

domingo, março 11, 2012

E os porquês…

Não compreendo!
Só porque tenho palavras e tu tens realidades, tenho sonhos e tu tens desejos, tenho loucuras que batem, rematem e explodem sem antes dar sinal de perigo, bebo desalmadamente sem pedir licença à dor, faço desenhos que tardiamente compreendes, conheço aquelas nuvens esvoaçantes que riem ao despejar droga, danço de forma cada vez mais estranha, canto hoje abusos já que o amanhã não existe, tento não ser escravo da apalhaçada apatia, rio sempre que me apetece não me importando com quem está ao lado, escarneço e complico o que tenta valer como subtileza, grito desalmadamente quando me dizes para ter calma, risco da memória coisas que não parecem ter importância e, mesmo assim, vais buscar a um passado onde não estiveste situações desconcertantes, extremamente irritantes e volta e meia discutimos.…
Caramba!
Só porque tu tens qualquer coisa que me fascina, que me lateja o corpo, que sacode a poeira do cansaço, será que devo continuar a sentir-te no meu coração, agora que te foste embora sem ao menos teres dito porquê?
Se assim for, serei burro?

Perguntas…


– Deduzo que a inspiração seja fácil de ter quando te vestes de preto.
– Deduzes isso porquê?
– Porque sempre que te vejo de preto, mostras-te taciturno, absorto nos teus pensamentos. Não falas, nada dizes do que te encanta ou corrói. Sais de casa e vais a um bar escrever num bloco. O que é que assentas que sejas tão importante?
... – Todos temos devaneios que pintam a nossa mente, glórias que desejamos, fantasias que nos agarram, encantos que nos beijam, pétalas enevoadas que já caíram, aquela procura incessante por um horizonte menos terrífico do que aquele que se vê à nossa frente, uma lisonjeada transformação da aberração que antes nos trucidou, uma ideia que nos comove a vaguear, uma lágrima que ainda corre, um sorriso que não nos desgrace, a selvagem inquisição de todos os preconceitos, a serenidade em luta contra a triste realidade, a leveza que é deixar de ser igual a todos os outros, a incansável força motriz que é correr descontroladamente além dos grilhões que nos tentam subjugar, um coração que sustém toda a alegria que nos importa, uma esperança que tenta não morrer…
– Escreves sobre isso tudo?
– Não, apenas sobre bife, cerveja e papel higiénico…

(escrito de madrugada, poucos dias atrás, no bar “Eclipse” (Bairro Alto), estando levemente tocado por certos líquidos…)

quarta-feira, março 07, 2012

O que de encantador se percebe...

Nasci numa tarde de sol altivo, preenchida por um vento que continha os cantos de outras eras. Despertei-me bem cedo, uma potência além de tudo o que atinava, concordava e se rebaixava à injusta notoriedade de um passado com muitos grilhões. Era jovem, obstinado e já o vento me conduzia ao grito! Sorridente, pus-me de pé, destemido, e gritei:
                “Não serei o que desejam que seja! Antes o asco, a tempestade e o abismo, do que o vosso tão plácido perfume!”
                Após isso, tentaram agarrar-me, abater todos os preceitos que consideravam imorais, arranhar esse iniciar de liberdade, sorver esse fôlego que era só meu e consagrar-me à sua maldita glória, mas eu fugi, saltando por cima de tudo e de todos, nada me importando se esbarrasse em ignorantes, religiosos ou ovelhas.
Abrindo os braços no alto de uma montanha, declamei toda a prosa e poesia que a minha alma pretendia, rasgando quaisquer cores que nada tivessem a ver com a minha satisfação. Os meus urros pareciam trovões que se reflectem na terra e voltam ao céu, tal era a hilaridade que ribombava de mim, até que, por fim, inquietei a Natureza.
Começou a chover, banhei-me em desvarios e necessidades, o frio apertava-me a carne ainda mais aos ossos e tiritava naqueles frémitos que se misturam ao coração. Tudo é uma consequência de uma inconsequência que nos faz abrir a consciência…
Faltava-me… Sim, faltava-me ela, uma dama que soubesse o que deveria ser, a profundidade de emoções e pensamentos que conseguisse aquecer o corpo para além de qualquer Inverno. Onde é que poderia encontrar tal ser? Em que parte do mundo existiria alguém assim, tão ideal para mim?
Foram longos os meses de deambulação, longas as noites de sonhos e distâncias, longas as manhãs em que acordava sozinho…
Um certo dia, cheguei a uma aldeia e dirigi-me para o centro da mesma. Ansioso, nervoso e latejante, a todos chamei para que soubessem que um poeta lhes iria presentear com as suas mais recentes obras. É claro que todas elas tinham aquele jeito tão irrequieto que é clamar pelo dia quando a noite aperta e sentir a noite quando o dia tem demasiado cansaço, mas a inspiração, aquela tão verdadeira que adoça o peito, não tardou a surgir pois vi uma mulher, entre as muitas que acorreram aonde eu estava.
Ela, de cabelos compridos e encaracolados, olhos brilhantes e sorriso divinal, parecia não perceber o que eu estava a dizer, talvez porque não sabia falar a mesma língua ou fosse meio surda.
Após mais ou menos meia hora de eloquentes divagações sobre os recintos de bom préstimo ao romance, à natureza e à disfarçada luxúria, cheguei ao final da minha exposição. Agradecendo os aplausos, sorrisos e dinheiro de quase toda a minha audiência, pois ela não se fez ouvir nem ver, aproximei-me dela e, perplexo, perguntei-lhe se as minhas palavras não lhe interessavam. Ela, num jeito tão peculiar, respondeu:
– Se tudo o que dissessem, aquecesse o meu coração, não seria única, mulher com uma boa alma, mas mais uma que se deixa levar pelas armadilhas de outros.
– E se eu te disser que, o que declamei, foi em nome de quem não conhecia, mas que desejava conhecer?
– Se não conhecias, declamarias para uma sombra, um espelho tão negro quanto um coração que não sabe a quem amar…
– Tudo o que um poeta cria é por necessidade, não por obrigação, e eu precisava de me conhecer, de saber o que o meu coração sentiria quando encontrasse a mulher dos meus sonhos...
– Um poeta que não sabe o que sentir quando ver a mulher dos seus sonhos? Como é que isso é possível? Acaso sabes tão pouco do que é o amor?
– Tem-se de descobrir o dia e a noite. Não há momento futuro que não seja um mistério… Sou apenas alguém que pretende conhecer a si próprio de modo a saber se reconheceria a mulher dos seus sonhos…
– Sonhas sempre com sombras?
– Os meus sonhos são enevoados, vejo figuras, nunca caras, sinto o toque, nunca acaricio, oiço palavras, nunca corações…
– Precisas de aprender… Tal leva o seu tempo…
– Tento ter o possível de paciência…
– Paciência… Sim, é preciso… Bem, desejo-te uma boa vida. Adeus.
– Não! Espera!
– Porquê?
– Quero conhecer-te melhor…
– Porquê?
– Porque… Bem… Intrigas-me…
– Em quê?
– No facto de que… Gosto de conversar contigo… Tal como em mim, vejo em ti muitos cenários que arrepiam…
– Sou apenas uma mulher que não gosta que a tentem conquistar em nome da futilidade.
– Não, também não o pretendo!
– Será preciso muito tempo para deixar-me levar…
– Não pretendo outra coisa…
– És assim tão paciente?
– Pela mulher dos meus sonhos, sim!
– Como sabe que eu sou?
– Como sabe que não é?
– Como sabe que é o meu?
– Como sabe que eu não sou?
E os anos passaram…


(escrito numa bela tarde de sol e muito vento, ao sabor de uma bica pingada, no miradouro de Sophia de Mello Breyner Andersen – Lisboa)

terça-feira, março 06, 2012

À noite e contigo…

Todos temos desvarios, curvas que não sabem como fechar, paredes que engolem as cores do passado, tremores que dançam como se fossem tempestades, cenários que gargalham onde a loucura já há muito entrou…
Eu tenho esta memória, que deslizo em ácido como diálogo provocante…
Se sou imprestável? Oh, apenas tenho as marcas que a vida trouxe, esse abismo que corre nas veias porque a luz que se vê é miséria quando o sonho é uma nódoa que pode ser limpa.
Deixo-me ir…
Eu gosto de me cortar com as palavras que se espalham no chão sem temer que deixem de ser virtudes! Prefiro a depravação, cuspir na cara de todas as tretas que me foram dadas e explodir qualquer universo que os distraídos, aqueles que prometem o que não podem, desejem criar.
Afinal, não tenho qualquer vontade de me desfazer da arte, de provocar qualquer eclipse em mim como se eu fosse uma folha amarrotada, adormecida pela hedionda mesquinhez! Oh! Quando me encontraste, já sabias que eu era um perdido…
Dizia a torto e a direito que a vida é para ser provada por nós mesmos, que não nos devemos julgar mal se criamos tantas personagens, se esbracejamos, corremos, gritamos e fodemos como se não houvesse amanhã…
Não, não há dilemas, combustível ou substantivos que me conduzam a procriar mentiras, por mais luminosas que sejam, na escuridão!!!
Existe apenas a vulgar constância que é me impedir de me ridicularizar, de deitar para o ar qualquer adjectivo que cubra a normalidade. Ah! Eu não quero nada com a normalidade!!! Pouco me importa se existem “cegos”, irão todos morrer vazios…
Monstruosos!!!
Esse é o nome que combina com quem não queira ver além do seu umbigo, aqueles que não são verdadeiros consigo mesmos, que não sabem dizer:
“Descobri que sou fútil.”
Toscos!!! Que não se deixem ser subjugados por preceitos tão ridículos quanto uma gota de chuva, ah preciosidade da Natureza, que não traga outra!!!
Se querem ser sombras, que façam o favor, que deitem para fora tudo o que lhes faz bem, mas, vá lá, que não me queiram levar. Tento ser preciso onde a riqueza guarda o seu maravilhoso desvario.
Sim, é bom ser insensato, tecer artimanhas que podem cair porque a lógica não as consegue aguentar, seduzir os problemas para que essa odisseia, que é naufragar, não nos leve a recantos menos libertinos. Será que se deve pensar os passos, sermos guiados pela nossa mente, fazer com que o espírito não possa deambular, que fique acorrentado num espaço tão obscuro quanto pequeno?
Chamas-me…
Esqueço a confusão…
Prefiro a ti…
Neste momento, tal como em muitos outros, gosto de cortar a placidez com o desejo, de me meter contigo, abrigar-me rodeado do teu perfume, acariciar qualquer suavidade que tenhas, de passar a minha língua pelos teus seios, beijá-los avidamente…
Não há melhor fogo que pudesse ter escolhido!
Por longos momentos, perfuro as tuas águas, aqueço-te com os traços do meu frutuoso esplendor, lembro-te que a tua noite é minha para que nunca te esqueças de deslizar sobre o meu ávido amor!
O teu sorriso e gemidos corrompem-me com a gratidão que é gritar que se tem asas.
Contigo, ninguém me conseguiria prender à terra e assim me elevo e me solto para além do horizonte.
Já em paz, vens comigo…


(texto escrito ao gosto de determinados líquidos numa passagem nocturna pelo bar “Eclipse”, um dos muitos do Bairro Alto – Lisboa)

sexta-feira, março 02, 2012

Acordar para este dia como uma pálida imagem e sentir o teu silêncio como faca que se crava na minha carne.
Se sangro, é porque as lágrimas já perderam a força...
Não, não preciso dessa miserável casa!
Apenas de vaguear, de recomeçar num lugar onde não haja sombras que queiram dançar comigo. As memórias daqueles tempos em que fomos tão felizes...
E há quem diga que posso continuar a viver...
E há quem não sabe que me sinto tão velho...
No entanto, se agora morrer, todos dirão que eu era tão novo.

Minto-me!!!
Preciso de ti, do sabor da tua boca, desse sorriso que espalha toda a escuridão da minha alma e transforma-me em luz.
Pena que, para ti, eu seja... nada.

quarta-feira, fevereiro 29, 2012

Libertinagem!
É esse o segredo para não provocar o tédio...
Escorres a tua seiva para a terra que viu-te nascer e vês lampejos de um hábito insonso, cortejas o erotismo como se dançasses o tango e pouco te importas com o sono que concorda em ter-te como servo pois tu, de pijama, corres por entre os sonhos como se fosses um selvagem embriagado, cantando todas aquelas palavras que são meritórias de um pódio e sorrindo porque a única sessão onde pintas quantas cores quiseres é um golpe na pacatez, um desnorteado envolvimento entre as nuvens e o ópio. Se te viras para um lado e vês-te ao espelho como se fosses altivo é porque o outro, que está bem perto, está tapado com uma película leitosa. Nesse, se passasses algum tempo a limpá-lo, até poderias ver os teus defeitos, mas que importa? Queres continuar a saltar por cima das poças de água, brincar com aquelas folhas que ainda se agarram às árvores e cravar as unhas na terra húmida como se penetrá-la te desse gozo, enquanto imaginas o que é estar a sentir o corpo de uma mulher já nua, acariciá-la de uma forma que sabes que fica bem ao orgasmo, tudo porque os suspiros são sempre uma melodia inigualável e tudo porque te cativa uma solenidade iniciada pela erecção febril. Mal sabes que, ao longe, uma outra serpente, tão descuidada quanto tu, maltrata a planície sequiosa de certos movimentos incontroláveis, tudo para ao fim do dia gozar com o delicioso sabor de um... crepe!
... ou donut! O que ficar bem...
...
Acaso disse antes que hoje estava são? ;)

terça-feira, fevereiro 28, 2012

Todas as palavras que te escrevi nunca tiveram o sabor desse teu beijo...
Hipnotizaste-me... Levaste todo aquele desejo de estar em qualquer outro lado...
Sim, já muitas vezes respondi à paixão com a esperança, para depois cair sem ter qualquer resposta que me fizesse brilhar. Só que, contigo, foi diferente... Talvez porque tivesse sentido que o meu toque tenha se distanciado do teu coração é que vivi todos estes anos onde ninguém existia.
Construí, preencido pela melancolia, rodeado pela glória da Natureza, um jazigo onde as minhas lágrimas enterrava, suspirando o teu nome vezes sem conta, pedindo ao vento para te levar este amor, gritando até ao universo que o mais importante é o fogo que arde dentro de quem vive sem nada destruir. No entanto, nenhuma resposta recebia... Sempre foste mistério... Apenas o teu olhar brilhava, a tua boca abria-se num majestoso sorriso e a tua voz acariciava-me com encantos que....
Não!!! Não!!! Não!!!
Não me quero lembrar!!!
Já basta a agonia deste sangue que corre nas minhas mãos... o meu... que ofereço à terra... por mais ninguém poder viver em mim.

segunda-feira, fevereiro 27, 2012

Repara!
Eu não sou diferente de ti!
Apenas tenho uma determinada loucura que me faz escolher um agonizante momento para sorrir, divagar por todo aquele tremor que empalideceu o "ontem", que impele qualquer lágrima ao "hoje" seduzir e deixa-me vaguear por vales ansiando por voar quando a vida sobe montanhas.
Se canto toda uma imperfeita alegria, descobres que a minha timidez é frémito escolhido pelo vento.
Se grito mais alto do que um trovão, a tua alma ouve-me sem conseguir responder.
Por isso, quando eu estiver ao teu lado, olha-me nos olhos, talvez assim saberás porque o meu coração bate por ti...
Há uma parte de mim que sorri, outra que já há muito morreu.

quinta-feira, fevereiro 23, 2012

Uma tempestade num copo de vinho

I

Uma terrível tempestade fustigava a cidade e nada me confortava neste recanto tão especial para o meu coração. A noite era ainda mais escura porque tinha faltado a luz e apenas uma vela iluminava a minha coragem no sótão onde vivia. A vela, tão cativante, profunda e misteriosa quanto um devaneio igual a uma alma estonteada, aquela que é pobre demais para compreender a arte, conquistava o irrequieto estertor de um arrepio; aquele desejo de escrever que sucumbe quaisquer sombras que o infortúnio conseguiria criar.
Não me importava que o vento bailasse assustadoramente através da cidade, a chuva retinisse em terríveis sons que levassem qualquer criança a esconder-se debaixo de um cobertor porque eu, intrépido, escrevia o que a alma fazia cair: todos aqueles desejos e sonhos, lembranças e conquistas, virtudes e sensações, sendo deixados a tinta negra num papel antes virgem.
Quem estima a literatura, bem sabe que não há palavras sóbrias quando se toca todas as impurezas de um juramento, este providenciando certas sinuosidades que a claridade não alberga. Talvez a inspiração possa ser como uma flor que se guarda na mão de uma mulher vistosa, que se abre, violenta e maliciosa, além de qualquer cenário escarrado pelo ser humano. As sombras, que passeiam em delírio, deambulando como num cortejo fosforescente, têm máscaras que nunca caem e um sorriso que só a loucura conhece.

II

Porque há que tentar ser um bom escritor, desenvolvo…
Este relato surge porque também há momentos em que a inspiração é motivada quando o espírito cambaleia, o sol é uma imagem longínqua e a lua se esconde por detrás de um manto arrepiante.
Enfim… A candura de um início já tinha passado e os contornos de várias experiências tinham-me adulterado a percepção pois compreendia a satisfação e a insatisfação, quaisquer extremos que levam a compreender o porquê de haver sentimentos que corroem o íntimo e o porquê de se pensar em tanto que nos enferruja a vontade de caminhar. Talvez pudesse brincar numa avenida quase vazia, exibir-me tal como vim ao mundo ou observar o que os outros fazem à beira-mar, ser um voyeur, um lamentador, tudo menos um pálido habitante de uma cidade ainda mais pálida.

III

Enrubescia…
Após mais um golo de um soberbo vinho, altivo reparador de maleitas, sentia a imaginação cortar amarras a uma solidez que a realidade tão bem conhecia. Enlevado pela situação, os meus sentidos eram tão desiguais quanto o meu espírito. Não me interessava escrever o que outros compreendiam, apenas fazer das palavras um caminho com muitos atalhos.
Lembro-me… Lembro-me de um cálice de vinho perfumado pela sensualidade, um sabor divinal espalhado pelos lábios de uma mulher que ainda me invade os sonhos, uma beleza vaidosa que induzia à ascensão de maravilhas onde a riqueza queimava qualquer negação que pudesse ter. Era esta a poesia desenhada para adornar qualquer reino, sorte a minha que adornava o meu.

IV

Ofuscado pelo prazer do ambiente, envolvido pela luz da vela que dançava de forma extenuante neste quarto que antes estava às escuras, sentia que o cálice de vinho brilhava como se quisesse conceder o condão de entrar em outros mundos. Estes, tão febris quanto os que desejava conhecer, talvez não fossem inocentes mas o desconhecido nunca me apoquentou. Afinal, sempre quis descobrir algo mais interessante do que a palidez de uma rotina bem desenhada e a presença de sombras sempre me fizeram bem. Digo isto porque a fantasia não deverá ser apenas deixada para quando se sonha mas há que molhar a paciência, apartarmo-nos de quaisquer contrariedades e deixarmos uma porta aberta à investigação, à experiência, à elevação e à queda. Se apostarmos demasiado em floreados, talvez percamos muito do que reluz e as coisas que realmente interessam envelheçam antes do tempo, deixando-nos sozinhos, como se apenas um quarto escuro fosse a nossa realidade. A verdade é que a sombra é a beleza já caída quando o ser padece de todas as dores…
Não! Nunca fui amigo de lugares insonsos, preferindo a alegre ebriedade dos artistas que conhecem mais do que o dinheiro, cuidando do desenvolvimento do intelecto mesmo que a vida providencie insensatos balanços. As minhas pretensões eram o cuidar da minha arte com o requinte dado às palavras, quer sejam a fineza de uma sexualidade enrubescida, quer sejam uma mistura de loucura com selvajaria.

V

Que nunca se esqueçam…
Há momentos em que a vela é uma bendita inspiração que faz os aventureiros percorrer mais do que os cobardes pretendem porque estes últimos gostam de ficar sentados em cima da vã glória que conquistam, remoendo os seus muitos falhanços e detestando os que partem para longe. Se estes dão notícias, pode-se não saber, também quem morre nunca o dá… a não ser que volte como uma miserável imagem do que foi. Por vezes, os sonhos mostram que tudo é melhor do que parece mas nem sempre se pode contar com a fantasia. Para quê, dizem uns? Viver é preciso! Sim, claro que é mas viver sem sonhar não é vida que se deseje. Afinal, para quê passar de um dia para outro se nada de diferente se espera?

VI

Magoa-me viver sozinho, ser um poeta criado pela nostalgia, suspirar as ténebres teias de um reles caminho onde não há alegre feitiço nem vontade de ver o dia…

VII

 Toldado pela embriaguez, tenho a dor de não ter qualquer fortuna. O meu sangue tem o sabor de um vento que conduz os mortos, porque eu, cativado pela ilusão de ser criador, caminho com hábeis passos, adornado apenas pela boémia do bom bebedor. Tal e qual um patético malabarista, brinco com a alegria e a tristeza, a mediocridade e a nobreza, mas fujo da apatia que é não saber chorar. Tenho apenas um sorriso ingrato, esse que não conhece a pureza de viver sem amar a dor…
Chamam-me louco, mas não sou mais de quem se esconde por detrás de absurdos, de quem esgrima pela vida como um bruto e traduz amor por dinheiro. Se minto, é porque não quero que conheçam a minha alma. Esta, sempre foi rasgada pela ténebre elegância que o dia nunca quis ter…

VIII

Não! Não sei ser pacato… Desde que nasci que grito para que o universo saiba que estou vivo embora as minhas façanhas nada tenham que respirar o mesmo ar de outros. Afinal, porque deveria contar as mulheres que já aqueceram o meu corpo, as bofetadas que já levei na cara, as lágrimas que já fizeram-me cair? Todos temos sonhos que despertam o apetite, uma história de amor gravada numa árvore, apenas o peso da madrugada podendo fazer-nos adormecer. Mesmo assim, nunca saciamos o esquecimento porque existem aqueles delírios que actuam como fotografias desfocadas que nem o nevoeiro consegue imitar. Se certos beijos não nos interessam, tal é porque são demasiado frios para o coração, vagas impressões desconcertadas acabadinhas de sair de uma volúpia visceral que nos aperta o âmago. As melodias que criaram para nós acabando sozinhas, quase esquecidas, ondulando levemente rumo ao vazio…

IX

Apreendendo como véu a estranha conformidade da chama dançante, as figuras que formava na parede sendo tapeçarias de cores sombrias, sentia a tempestade como se fosse um eco revitalizador. A minha sede exigida pela inspiração nada significava além de um prémio que rugia em prol da arte. Todos os artistas moram à beira de um precipício e, se não caem, é porque há demónios a desejar vê-los sofrer…

X

Sim… Nesta noite de espelhos sombrios, provava um líquido que apertava menos o íntimo, que refulgia o meu querer com a vontade dos neurónios embriagados que nada de cansados ficam quando cobertos por uma insanidade temporária. Bem, chamar isso de insanidade e, ainda para mais, de temporária, é esquecer que o escritor resvala em sinuosidades nada benéficas para a harmonia. Pois, o artista que não sabe que é mais rico do que tudo o que o ouro poderá comprar, deve ser comparado a rosas já murchas e prestes a se tornarem cinzas. Não tem ideias apesar da grandeza da arte que lhe convém, segue os outros porque é preguiçoso e não quer lutar. Finge… Sim, finge que sabe muito mas não sabe inventar, não como, por exemplo… eu, que, quando bebo um trago desse delicioso néctar, assumo que a tempestade tem propriedades revitalizantes porque são os fantasmas que despejam as suas lágrimas numa terra encolhida pela evolução.

XI

Que acordem! O dinheiro não faz a alma crescer! É pálido, ignóbil, actua como vírus e mata qualquer sensibilidade. O que importa é saber sentir, criar, aprofundar o conhecimento, destituir a indiferença do seu trono. Fazer com que o sorriso volte a ter o seu lugar…
Podem pensar que muito do que crio é devido à perda de sanidade, àquela fragrância inusitada que se liberta de um certo copo e que me faz desenvolver um faro específico para procurar temas que têm a ver com o íntimo. No entanto, que outra enlouquecida propriedade além da inspiração ficaria bem a uma noite de tempestade em que a cidade ficou às escuras e só uma vela, uma caneta, um papel e um copo de vinho me separam do aborrecimento?

XII

Bem… Pondo de parte qualquer memória de manhãs adormecidas, cativado por uma sonolência conturbada, apago a vela e, querendo descansar de tudo, despeço-me.
… … … … … … … … … …
Adeus.

(texto que surge no vídeo-arte com o mesmo nome que fez parte da exposição "Toma-te o Vinho" concebida pelos "Mad Space Invaders" no IVBAM de 27/01 a 17/02.
Devido a ter quase 16 minutos, teve de ser dividido em duas partes de modo a poder ser visualizado no You Tube:

Uma tempestade num copo de vinho - Parte I
http://www.youtube.com/watch?v=vl-WUTQOPd8

Uma tempestade num copo de vinho - Parte II
http://www.youtube.com/watch?v=jRb6nQw2Z4I&feature=related

quinta-feira, fevereiro 16, 2012

III – Tempestade

Escrevo-te num papel manchado pelo vinho, inquieto pela sofreguidão da ebriedade, conquistado por palavras que roçam espinhos, que deixam traços de luxúria e mistério na alma. Os pensamentos laterais correm ali ao lado, têm os cintos apertados, a luminosidade invertida, as bordas estropiadas e um olhar sem remédio. Aqui, onde estou, é tudo directo, até a flecha que me trespassa o coração, que me pede para deixar um mundo adoentado, que me ensina a ser teu. Sim, sou um tanto avariado! Tenho poesia como um pranto enlouquecido, o meu coração toca melodias envergonhadas, aqueles cenários de mistérios prometidos ao futuro mas é hoje que te desejo, é hoje que não quero que vás! Aturdido, deixo o papel voar arrepiado e tremeluzente, como sentinela de um episódio delirante. Tem as nódoas de um ontem em que a fartura se acostumou a rir. E eu… Encantado, contemplativo e cheio de versos arrepiados pela sedução, hesito em divagar ainda mais sobre a minha loucura. Afinal, a harmonia é demasiado nobre para ser incomodada, e tu… Serás sempre parte da minha frutuosa devoção. Jorge Ribeiro de Castro Declamado pela 1ª vez a 16/02/12 na sala de exposição dos "Mad Space Invaders" no IVBAM

II- Incendiado

Que não me colem às coisas mundanas! Não sou espelho triturado pela hipocrisia, patético manjar dissimulado pela inquieta simpatia, qualquer convicção desgastada pela rude altivez. Sou somente um grito confuso, um estropiar libertino da tranquilidade, a ousadia de correr por terrenos enevoados, a necessidade de sorrir quando o sol adormece, a viajem de todas as personagens desamparadas, a urgência de criar no que antes estava em branco, de ridicularizar o presente com o abrir de asas. Não, não é para fugir! Não é para remeter a esperança ao mundo da cobardia, para me rebaixar ao nível da discórdia, para me lamentar dos dias de chuva em que a solidão me abraça, para chorar a mágoa traduzida em devaneios ou ser uma ingloriosa nota de rodapé na memória de uma dama. É apenas para não me deixar morrer, apenas para que não se diga: “Ela voltou e o poeta já tinha deixado de viver aqui…” Jorge Ribeiro de Castro Declamado pela 1ª vez a 16/02/12 na sala de exposição dos "Mad Space Invaders" no IVBAM

I - Perfume

O vinho, caros visitantes, é o capataz desta obra, a cortina de veludo que nada esconde do coração. Se não sou de promessas, por tudo em mim serem dissonâncias, a verdade é que as minhas palavras, arrepiadas por uma venenosa devoção, aquela de tapetes carcomidos pela terrível virtuosidade de querer apagar o passado, têm a doença de não conseguir esquecer a saudade… Ontem, escrevi o que a alma pedia mas não foi isso que me fez tremer. Foram os olhos dela que acariciaram a minha alma, a febre que o meu coração quis seduzir, todas as carícias que o meu corpo se lembrou. Hoje, caminho embrenhado nas névoas da entoação, tento abusar demasiado da serenidade, sorrir pela grandiosidade que anseio ter, a solenidade de um devaneio que me remeta à luz. Dizer ao dia: “Nunca de um outro me esquecerei…” Sabem… Diverte-me saborear os embaraços dos maldizentes, responder com bom humor aos reparos dos quase caídos. No entanto, satisfaz-me muito mais a paixão sem pudor, cortejar a boémia que o momento inquieta, Dizer à noite: “Se vivo, é pelo mais grandioso calor!” Jorge Ribeiro de Castro Declamado pela 1ª vez a 16/02/12 na sala de exposição dos "Mad Space Invaders" no IVBAM

segunda-feira, fevereiro 13, 2012

Se de mim parte aquela ansiedade por movimentos e gargalhadas, se de mim ruge aquela investida de carvão e sombras, se de mim estende-se a prosa desmaiada e a poesia caída, qual será o momento para alcançar o êstase, preferir um mundo onde a dor não conheça a minha alma? Talvez nunca... É preciso sofrer e ser louco para a bela arte criar...
- Porquê estás aqui?
- Porque é que um rio começa numa nascente? Porque é que a terra se abre para a água? Porque é que o sol aquece o nosso corpo? Porque é que as aves voam em sintonia? Porque é que as nuvens deixam-se levar pelo vento? Porque é que o sorriso de um bebé nos alegra? Porque é que a adolescência nos faz cometer tantos erros? Porque é que a velhice é por vezes venerada e outras vezes renegada? Porque é que dormimos melhor quando não temos problemas? Porque é que os sonhos nos fazem acordar cansados? Porque é que podemos dar uma volta ao mundo para conhecer tantas maravilhas e mal conhecemos o nosso vizinho? Porque é que o dinheiro é tão importante quando deveria ser a doce melodia da Natureza a nos inspirar para um melhor dia?
- Não entendeste... Pergunto porque é que estás em frente à entrada da minha casa desde a noite passada?
- Porque o frio não me importa. Porque não conseguiria dormir mesmo agasalhado na minha própria casa. Porque o meu coração arde desde o nosso primeiro beijo, aquele dado há tantas semanas atrás numa noite de euforia. Porque sei que hoje vais embora para longe e eu não conseguiria viver sem te dizer que te amo.
Hoje, colo-me à turva dimensão de um desconforto impertinente em que vagueia uma lágrima desvirtuada. Não brilha! Não geme! Apenas deambula por um recinto incolor e ri-se de todos aqueles soluços que me enfraquecem. A noite sujeita-me à provação, à banalidade que é estar sozinho, ao ilustre perfume que é estar cansado, ser uma alma querida que tem muito de reles... Hoje, tentarei guardar o coração nos sonhos...
Tenho o direito de adormecer, de querer viver séculos atrás, de me afastar deste momento, de sorrir sem que haja qualquer sombra a esfaquear...
Há que ser um poeta que gosta de esconder o que é, debaixo de máscaras tão brilhantemente engendradas, que nunca ninguém saberá que o romance se esconde debaixo de um olhar perdido e a tragédia se esconde debaixo de um sorriso tremido.
Nem tudo o que eu digo é a verdade! Escondo-a tão bem por detrás de um sorriso valente, rio-me da proposta que é mostrar o que é um belo sonho quando não estou contente, faço um drama da apatia, mostro que sou simpático e louvo o vento como se fosse a mais maravilhosa melodia e, no entanto, sinto que estou debaixo da terra, não muito confortável mas no meu espaço, onde desejo que apenas os sons menos ríspidos cheguem, ansiosamente esperando por aquele momento em que me tirem e me digam que não vale a pena lamentar, não vale a pena chorar, não vale a pena dormir para a vida! O que vale a pena é sorrir porque é a Arte que nunca deixa de me amar!!!
Há que haver aquela graça que nos seduz a repelir todas as sombras que nos fazem mal. Apenas as virtuosas solenidades que enlouquecem é que merecem o nosso sorriso!!! ^_^
I'm not here to be stable! I'm here to let a dark poetry slip from my veins and impress reality with a different kind of lunacy!!!
Há algo em mim que se parte a todo o momento... Talvez seja a lágrima já gélida que se solta lentamente porque o coração ainda quer bater.
Tudo o que já fiz, tudo o que faço e tudo o que farei são fragmentos da minha alma que brilham... embora não brilhem da maneira a que a vossa alma está acostumada a perceber.
Há sempre um sorriso à nossa espera quando nos olhamos ao espelho e a alma quer voar além de todos os obstáculos que surgem. :)
Tenho uma grande dificuldade em ser directo... Avanço pela narração como quem caminha por diversas sinuosidades sem alguma vez descansar, se gaguejo é porque encontro algo que não estava à espera, uma altura deveras insinuante que me diz algo mais do que estou a descrever. É como quando nos sentimos inebriados por uma certa bebida ou vemos um ser muito especial à nossa frente e o cérebro desliga-se da matéria. No meu caso, tento sempre ter o meu "espaço" mesmo quando estou fora do meu quarto. Não digo que seja sempre mas é bom quando o barulho que ouvimos não nos impede de ter uma certa harmonia. Não digo que seja aquela que muita boa gente conhece, afinal, a minha harmonia tem laivos de loucura. Isso talvez seja porque se me entendo como louco é porque me faz bem. Afinal, não tenho qualquer vontade de deixar de escrever aqueles textos menos.... hum... comerciais só porque dizem que assim não ganho dinheiro. Bem, para quem não sabe, eu tenho trabalho e ganho dinheiro! A escrita é para mim um grande prazer e isso só mudará quando não tiver a liberdade de escrever sobre o que sinto que tenho de escrever... ahhh O_o ufffffff
Nunca serei igual ao meu passado! Enlouqueci demasiado para voltar a ser tão inocente...
E enquanto me dizem para ficar, desligo-me da fala, rasgo a minha carne com o olhar, solto aquela lágrima que nunca quis conter, sorrio por conseguir silenciar os desafortunados lamentos que me tornaram aberrante. Afinal, sou uma verdade que nunca soube que era mentira...
Sim, sou eu, aquele que está estupidamente perdido para o dia! Talvez eu seja um poeta que adora a noite porque há sempre aquela luz enigmática que ilumina o pensamento, aquele romancear bravio que descarrila a segurança para além de quaisquer andanças sobre as belas nuvens que não tremem. Sinceramente, gosto quando elas, velozes e sombrias, permanecem no hemisfério divino dardejando volúpia, sucumbindo áquele crepitar de chama estonteada que sorri por ainda não ser alvorada. E eu também sorrio porque, com a noite, sou mais do que um zé-ninguém! Ah que tenho em mim os sonhos pela loucura conduzidos enquanto deixo a imaginação febril matar o aborrecimento com pesadas estocadas. Não! Não me levem para a cadeia pois o tédio é a dor da alma e nada melhor do que enriquecer com a descoberta daquelas belas paisagens enlouquecidas. Afinal, a vida é mais do que todas as joias e metais preciosos que se possa ter e preferia ser pobre se só assim pudesse libertar a alma! Ahhhh Quero lá saber o que o povo diz! Que se segure à luz do dia, que vá pelo mesmo caminho, pois eu vou pelo meu porque, se sou assombramento, o descarrilar de terra nas montanhas do pensamento, vivo mais por mim, pelo que penso, sinto e escrevo... Sim, vivo mais pela Arte cuja magia não tem fim!!!
Tive um dia alucinado e, por isso, estou demasiado cansado para escrever qualquer coisa de jeito... A verdade é que hoje caminhei sobre brasas, sustive a respiração devido ao fumo, gritei com o raio dos trabalhadores que estavam a arranjar a estrada pois quase que ficava surdo devido ao barulho das máquinas e até tropecei num pedregulho maior que talvez tivesse sido deixado de propósito para me chatear. Claro que cai e magoei-me, tendo quase de ir para o Hospital devido a várias escoriações!!! Caramba! Até parece que me ouviram a discutir com o dono do bar da esquina!!! Tenho lá culpa se foi eu que arranjei o abaixo-assinado de modo a alcatroarem a rua onde vivo e, enfim, tal aconteceu no dia de aniversário do dono??? Era preciso ele obrigar-me a pagar a minha dívida antes de lhes vender as cervejas que queriam???
- Alto aí! Quem és?
- Sou apenas um aventureiro que não se mantém por ninguém!
- Se vens aqui tens de te submeter à lei deste lugar!
- Então volto para trás e vou por outro caminho!
- Custa-te submeteres à lei? ...
- Sim!
- Porquê?
- Porque nunca estou do lado dela! ~
- Então, isso só pode significar que és um criminoso! Estás preso!
- Não, não o sou! Sou apenas alguém que idealiza mais do que outros!
- Não segues a lei, então só podes ser um criminoso. É tão fácil saber isso quanto se sabe que sem comida e bebida ninguém sobrevive.
- Sou um filósofo. Isso é ser criminoso?
- Sim, é, quando não se segue a lei. Mas diz-me... Porquê é que te custa isso?
- Sou um príncipe! Vivi rodeado de patetas, capangas da sociedade normalizada por regras insensatas, machos e fêmeas de índole submissa que não sabiam o que é seguir um caminho sem ter outras pessoas à frente. Que me importa estar numa carruagem de idiotices se eu, a luz cicatrizada, tenho ideias que vão além do que acham certo? Se me ordenarem algo que não está em conformidade com o que penso ser certo, grito: "Onde é que está a justiça?" Se me pedirem sangue, esmurro-lhes até sair do seu corpo esse líquido precioso. Se me pedirem dinheiro, faço um furo nas suas carteiras, ponho-me a contar as moedas e enfio-lhes na boca. Se me pedirem a minha terra, cavo uma cova para eles, tendo o cuidado para tapar cada oríficio do seu cadáver. Como ser pensante, ovelha de ninguém, faço o possível para fazê-los cair, beijar as minhas botas como bons escravos que deverão ser. Se tiver necessidade até poderei verter na sua boca a água que se guarda dentro de mim. Afinal, se se afogarem não me importo, o importante é que seja eu o último a morrer...
- E porque pensas que não morrerás primeiro? Ah, maldito! Por tudo o que disseste, estás pr...
- Oh ser desafortunado, porque a minha faca encontrou o teu pescoço...
Sou demasiado funesto para o sol! Tenho aquela desgraça bem disfarçada que é sorrir mas, por dentro, queimo a alma com os ácidos tão necessários à minha arte, aqueles devaneios vomitados de um qualquer negrume estupidificante que muitos podem não entender mas que afunda qualquer comentário menor com que possam vir. Afinal, imagino demasiado as patetices e irreverências de qualquer solitário que, tal como eu, pouco se importa com o palpável quando é nos sonhos que mais se mata. Sim, também se cria, tem-se aquela vontade de não se deixar de lado a Primavera, mas é quando ninguém nos pode ver, ouvir e tocar que nos sentimos livres. E eu, saído ainda há pouco de um sono reconfortante, comecei a sorrir quando me lembrei que tinha acabado de destruir um universo. Se sou culpado? Ninguém me poderá incriminar pois são apenas palavras, certo? Não há testemunhas, não há provas, não há nomes, não há sequer a certeza de que esse universo tenha alguma vez existido! É tudo a minha imaginação ou se calhar sou apenas um louco, certo? Um escritor... Um louco... Ah! Tão bom ser de ambas as coisas um pouco, poder isto fazer e aquilo dizer sem nada temer! Por isso, sorrio, esfrego as mãos e anseio por mais um sonho. Talvez nesse possa sentir a carne de uma vítima, talvez tu que lês, ser rasgada pelas minhas mãos, beber um pouco do seu sangue, pintar-me de outra cor... Gritando, talvez dê a conhecer que não é o crepúsculo que tem força, que não é a súplica que desarma mas que aquela fatalidade de estar aborrecido, nada mais ter para fazer, impulsiona a minha mente a desvirtuar a normalidade. Impregnado pelo fétido odor da morte, serei carrasco, assassino, vampiro, um delirante adivinho que se espalha como febre por sonhos assombrosos e de certeza que todos os esqueletos daquelas pessoas que já matei dançarão à minha volta. Afinal, ser rei, senhor dos meus próprios sonhos é uma maior alegria do que todas as irritantes blasfémias, errantes tonalidades e afogadas esperanças, que surgem nesta realidade.
Ser de uma lágrima e de um sorriso, ter aquela gentileza divina que as nuvens tão bem conhecem, deixar o coração bater mais rápido, a alma dançar apaixonada, rasgar o tédio ouvindo o vento cantar, pedir que brilhe para mim aquele delicioso luar, consentir a liberdade de uma chuva miudinha, reconhecer que sou um conquistador mas que sou também um conquistado! Oh! Ser poeta afortunado, embora por vezes escreva os sentimentos entorpecidos de um naufragado, levantar-me boémio e triunfante, repetir cantigas sem reparar nas virtudes, envolver-me numa carne deliciosa sem me importar com o desfecho, gemer enlouquecido por saber que a felicidade está tão perto, que tudo o resto nada importa, é um deserto, o paraíso iniciando-se com o primeiro beijo que aquela que amo deu a mim! ♥
Hoje, consegui um sorriso! Só precisei de incendiar a alma com um pouco de encanto, dizer àquela dor de cabeça, que tanto já me aborreceu, que hoje não me interessava para nada, apertar as bochechas para que ficassem avermelhadas, esfregar os lados do nariz com os dedos indicadores, saltar durante meia-hora, correr quinze minutos, fazer algumas flexões que quase me arrebentaram os braços, fazer uns ...abdominais que quase fizeram com que a barriga se encostasse às costas, cantar um misto de ópera e death-metal (nada de death-core... só se for death-pera), sentar-me e tocar a minha bateria imaginária durante uns vinte minutos, levantar-me e fazer headbanging, depois, claro, veio a vénia, o vento, a chuva, a roupa completamente molhada, o fugir para casa de modo a tomar um banho quente e mudar de roupa, o deitar-me na cama, abafar-me com o lençol e cobertor, o tentar dormir, o conseguir dormir, o sonhar com bobos da corte, cavaleiros, damas e dragões e... Bem, já riram? É que agora é a minha vez de sorrir... :)
Não me importo com o estado das coisas! Há sempre diamantes que reinam acima das futilidades, glórias que se espalham além das dores, vontades que brilham sem convidarem a negritude de tudo o que magoa o coração... Por isso, vou-me daqui e desenharei um sorriso nas nuvens para que todos saibam que sou feliz! Talvez assim já não me atormentem com comentários excessivamente absurdos e os meus olhos já não conheçam as lágrimas.
Sou, seguramente, tão estranho quanto a chuva que aparece logo após o sol se esconder... Tenho aquele jeito tão especial de escrever algo que transforma uma folha em virtuosidades enlouquecidas que fazem as dores de cabeça parecerem brincadeiras no jardim do paraíso. Aquele onde os outros dois não existem, onde a Natureza é brilhante, a fulgurosa majestade de uma música que ludibria a alma e sacia a solidão. Pois... sou tão traquinas que, ao passear pela floresta num dia de Outono e ver, ao longe, dois montes, imagino... as reconfortantes ondulações que o mar dá a todos a conhecer e aquelas outras com que a minha amada me presenteia. E, se me deixo levar pelo seu toque, é porque não há maior glória do que sentir o seu amor, a radiosa alegria por saber que, podem vir sombras, tormentos, maldições e a mais desprezível nostalgia, tudo isso desaparece ao descobrirem que, se sou dela, minha ela é! O mundo não importa, o tempo muito menos, a vida é um grão de poeira nesta magia que nos abraça, a elegância de uma maravilhosa verdade onde o sorriso é a a nossa pátria!!!
Com muita pena digo que não sei o que dizer!!! Sim, por vezes isso acontece e esses são momentos em que o melhor a fazer será dormir, esquecer a vida e sonhar ou... hummmm talvez deva ficar acordado e brincar com a mulher que já marcou o meu corpo. Pois, a vontade de soldar a carne é uma riqueza que se quer profunda e nunca disseram que eu detestava cavernas! Aliás, adoro esse beijo que abre comportas, que ambiciona gritos e façanhas, que rasga tempestades e manhas, que desmancha a palidez e blasfema contra a languidez! E, no entanto, perco-me em demasia, regido pela convição de que a luxúria é uma porta para a sabedoria e que eu, poeta inusitado, trago fúria como bálsamo, alegria como penhor e a agradável esperança de que o tédio já não me tenha amor! Porque tudo isto é monotonia e eu, ávido e sem melodia, um planger cacofónico, uma ruidosa devoção, embriagado por frases sem qualquer apetite, a insolência bucólica que desprestigia as cidades... sou um trago de escuridão! Não tenho maldade, sou apenas o que podem considerar um dos terríveis que pensa e sente, convence e desmente, pondera sem alguma vez estar contente e... Basta!!! Implacável, deixo-me dessas dores pois, vez ou outra, estas surgem como espadas e espinhos, negros rochedos e desavergonhados labirintos que devoram a alma que não tem luz. Talvez deva pedir que a chuva caia e banhe este recanto amaldiçoado pela sociedade que me entorta os dedos, enlouquece a alma e desvirtua a poesia com a pujança de um olhar infernal. Pode ser que assim relaxe o suficiente para que a vida não me aborreça e acabe a noite sem a condição que todos querem que eu tenha. Aquela que é ser... normal.
Conto-vos uma história mirabolante de um extasiante malabarista que usava roupa extravagante e maquilagem brilhante. Este, vez ou outra, dançava com garrafas, bolas e taças sem alguma vez as deitar ao chão. Umas continham vinho, outras ar e as últimas cerveja. Não sei de qual é que gostava mais, no entanto, não passava uma noite sem que dormisse com a mulher que amava. Sim, eram sonhos a pernoitar na sua cabeça porque o malabarista, tão cansado estava de trabalhar todos os dias para ganhar uns trocos que nem sequer tinha tempo para cortejar. Assim, ganhava dinheiro de dia fazendo os outros divertirem-se e divertia-se à noite como se fosse isso o mais belo viver. No entanto, pouco antes de acordar, o extasiante malabarista tinha sempre aquela lágrima que é saber que era tudo um sonho, que a mulher que amava não estava mesmo ao seu lado, que o dia iria começar e, com ele, a máscara que teria de usar. Chegou o dia em que, tão velhinho e cansado, foi para o céu. Aí, todas as pessoas que se tinham alegrado com a sua arte, e que já tinham ido para esse lugar, se alegraram ainda mais porque sabiam que iriam ter a companhia do extasiante malabarista. Este alegrou-se muito mais porque sabia que a mulher que amava, e que o amava também, estaria consigo para toda a eternidade.
Na tua cor faz falta o sangue, faz falta a vela que na alma seja ardor. Sou, de resto, o menos importante quando és tu que cais latejada, a sombra rindo por mais uma alma desanimada e um pobre que padece da perda que é já não ter fervor. Talvez me agarre à noite, talvez uive todos aqueles lamentos que imperam na minha alma, para que haja um sorriso, um breve momento de perdição, que me traga o paraíso e não me deixe em maldição. No entanto, se eu continuar a ser um poeta caído, que bravura encontrar nas palavras toda a loucura que exalte o ébrio enfeite, que transpire a luxúria desta carne que se mete num lugar tão perto do coração!
Chora leve, amargamente, como se concordasses que não sou daqui. Suspira, atormentada e carente, fabrica as lágrimas que não sentes em mim. Talvez este sorriso seja preciso numa noite maldita em que a dor é mordida e sente a bravura do meu calor...
Apetece-me discorrer sobre a vida, quebrar em milhentos pedaços todas aquelas sombras qie fazem cócegas, até começar a planar sobre as dúvidas que riem. que riem? Sim, elas bem sabem o que me faz pequenino. Pena é que não sabem que o sarcasmo nasceu comigo. ;)

Por caminhos arcanos errei - 4º livro - Vídeo