domingo, março 07, 2010

Por caminhos arcanos errei (Romance - Excerto)

Deitado na cama, esperava que o sono chegasse como doçura sem equivalência a outros dias. Se tudo vigorasse conforme os meus planos, o futuro teria um maior brilho pois tinha o desejo de dar os passos certos para ser feliz. Apesar disso, por vezes sinto-me abalado pela confluência de sentimentos e ideias que trespassam a alma e deixo-me levar por pensamentos que não desejo conter. Uma fornalha que surge das instâncias infernais como objecto de um esplendor que nos rege como malditos, embrulhados numa sinfonia de prazeres que nada mais de vulgar contém a não ser o medo.
As aberrações que na nossa mente surgem, servem apenas o propósito de nos induzirem a vaguear por dúvidas e, para não cairmos perante avultadas desilusões, devemos tentar elevar a nossa essência perante esse abismo de inegáveis e tácitos prenúncios que constituem a existência surgindo com as indagações que forem necessárias.
Será que o dia a seguir traria as respostas que desejava? Será que as sombras se retrairiam, permitindo-me acalentar o caminho mais puro que a realidade pode trazer? Como um curioso brilho que ardia pela conquista, desejava caminhar até à estação mais fria da existência humana para que a sabedoria me trouxesse melhores frutos, mas preferiria dormir como ignorante se aos meus olhos não houvessem verdades que ainda me impelissem.
Para meu agrado, procurava outro esplendor, outra riqueza que não fosse aquela que é adormecer perante o desconforto de tingir a noite com sombras embora já tivesse pensado se não aprenderíamos mais a sonhar do que a vivenciar. Infelizmente, a descoberta nem sempre surge sem que hajam feridas e se padeça de uma existência em que tudo é banal porque o medo atormenta a existência com a escravidão…
A infame dúvida é veneno para a alma e apesar de saber que o mundo ainda possuiria segredos cujo desenlace não poderia ser determinado por uma visão objectiva, faria o que a condição de humano me permitisse de modo a desvendar o que sentia que tinha de ser desvendado. A realidade nos mostra o quão imperfeitos somos e talvez só precisemos de nos sujeitar à imaginação, deixando prevalecer todo um ideal que muitos poderiam considerar como infantil, mas outros veriam como inovador. Ponderar, assim, sobre as causas e efeitos de certos actos e reger a seu bom tempo uma verdade que nada mais é do que a certa, é o curso que se deve seguir.
Para melhor conhecer e melhor saber o que somos, devemos deixar todas essas regras sociais e sistemáticas que advêm da tradição pois a razão se estende para além da simples observação dos fenómenos. É necessário para o homem moderno, acreditar em algo em que possa usar a sua fé. Seja o seu deus, a sua moral ou falta desta, a esperança, o amor ou qualquer outro elemento criado para inibir os receios da alma.
Enfim… O cansaço regia o meu mundo, o sono confiando uma certa pureza aos momentos menos destemidos quando se preza a inconsciência e se quer enaltecer uma vontade menos carregada de problemas. Apesar dos elementos perturbadores que a ocasião preconizava, seria o meu maior valor encontrar leveza numa outra realidade, os alicerces de profundas deambulações pelo que de desejável revigorava a alma.
A tempestade tocava uma sinistra melodia como se quisesse ser a sinfonia há muito perdida de um qualquer primitivismo animal onde as cores mais vigorosas se complementavam num ritual que podia ser de desejo e luxúria entre o céu e a terra. Deitado na cama, tendo o corpo sucumbido antes ao frio, sentia-o agora quente, embora certos arrepios me tocassem em diversas partes do corpo. Pareciam-me beijos, ardentes toques entre o meu corpo e um outro.
Sentando-me na cama, quis descobrir as cobertas, uma voz de mulher se ouvindo em contrário:
- Schiuuuu… Deixe-se estar deitado…
- Quem és? – perguntei.
- Sou o seu desejo… Kirstin… Não quer fazer amor comigo?
Ia responder… quando ela surgiu de debaixo das cobertas. Conseguia ver, devido à lareira acesa, o cabelo comprido, a forma esbelta, a pose sensual. Aproximando-se dos meus lábios tocou-os com os seus, os seus voluptuosos seios acariciando o meu peito, enquanto as mãos traçavam ardentes desenhos no meu corpo.
- Quero-o muito… Anseio o seu toque… – disse.
Espantado perante o desenrolar dos acontecimentos, deixei-me levar pelo que a inflamava, o meu desejo aumentando cada vez mais. Beijando-me o pescoço, tocava-me nas partes íntimas com a mão esquerda, ruborizando o meu corpo com uma maior intensidade, tudo em mim querendo conhecer o seu interior.
Por entre bruscas golfadas de ar e intensos suspiros, estávamos a nos conhecer ainda melhor, cada toque seu fazendo-me sentir verdadeiro delírio que aumentou quando a sua boca engoliu o que de mais preponderante eu possuía, inflamando-me até a uma considerável loucura.
Kirstin estava a me dar um tal prazer como nunca esperava conhecer aquando da minha viagem para esta parte do mundo. Cada movimento moldando sensações e libertinagem, os puros requisitos de uma sobriedade fingida que já não parecia existir, apenas o frenesim de uma chama que queimava o pudor. Se a moralidade tivesse liberdade para viver, neste momento era considerada impensável porque o nosso desejo era queimar os meandros celestiais de modo a criar um universo de delírio e inclemente satisfação.
Estava quase a conhecer o êxtase quando, subitamente, retirou a sua boca, deixando-me uma amargura e um vazio que não concedia qualquer sorriso.
- Porquê?... – perguntei angustiado.
- Porque tenho um fogo maior para que o seu fogo apague… – respondeu, de forma divina, sensual, as palavras arrepiando tudo em mim.
Virando-se para que ficasse deitada, fez com que depressa me colocasse entre as suas pernas de modo a conhecer o belo interior. Como cavalheiro que concede felicidade e guerreiro que inflama a conquista, desbravei uma outra fronteira, a sensação de reger e ser regido, corresponder e ser correspondido, o ataque e a defesa, tudo tendo como maior certeza que o mundo era apenas nós os dois.
Os seus gritinhos de desejo e amor em chamas, faziam-me conquistar terrenos de exuberante perdição, enquanto as pernas prendiam-me cada vez mais a ela e as unhas cravavam-se nas minhas costas como selvagem oferenda à luxúria. Como mulher que o meu corpo amava, a tinha como tudo de valor para trazer felicidade ao leito sagrado de um quarto, a vivência entre a vontade e a amorosa fúria.
Estava prestes a conhecer a liberdade juntamente com a doçura que me abrigava e um sorriso de bem-estar ardia na minha alma, todos os poros do meu corpo desejando formar um elo eterno com Kirstin. Por fim, a gloriosa resposta a momentos de inquisição surgiu… e deixei-me cair para o lado, arfando a bom gosto, a minha ébria respiração unindo-se à minha amada.
- Nunca pensei que quisesse fazer amor comigo…
- Pensar nunca ajudou nestes momentos, apenas o fogo, o desejo, o encanto de dois corpos juntos – disse ela.
- Sim… mas… o que a levou a me desejar assim? – perguntei, ainda cansado após tamanho prazer.
- O fascínio da sua gentil alma…
- Acha que sou apenas isso?
- Não! Claro que não… descobri que tem também o fogo do guerreiro a arder no seu íntimo.
- Isso sendo porque a amo, Kirstin.
- A Vida nos reserva muitos momentos de prazer mas tenho, no meu entender, um maior à sua espera…
- Qual?
- Oh! Talvez nem o queira conhecer…
- Porquê acha isso?
- Porque talvez o mais importante seja o prazer mais mundano e não um outro que transcenda o corpo…
- Por si, pelo seu amor, pelo meu desejo de a fazer feliz, desejaria conhecê-lo… Qual é?
Por segundos que mais pareciam um langor dissoluto que conhecia o infinito, podia ver o peito de Kirstin subindo e descendo como se a ansiedade lhe tivesse a dar um outro impulso para cortejar e ser cortejada. Colocando-se entre as minhas pernas, deixou-se descer sobre a minha masculinidade, o prazer sendo toques que se repetiam em beijos e carícias, vontades que enlouqueciam a respiração a ser cada vez mais ofegante, a presença de fogo elevando o fogo.
Tudo o que antes tinha sentido surgia uma outra vez, o ânimo sendo cada vez maior por saber que pretendia me dar a conhecer um outro prazer, algo que fazia a curiosidade pecar pela paz. Enquanto o Tempo se esfumava, Kirstin dançava em cima de mim, as suas curvas unindo-se às minhas como se fossemos o par perfeito para enlouquecer a noite.
Espantando-me cada vez mais com o seu conhecimento da nobre arte de amar o corpo, Kirstin tocava os seus vigorosos seios com uma tal ânsia, a cabeça deixada para trás, enquanto longos e sedosos suspiros se libertavam da sua garganta. Era este o cortejo de desejos e influências românticas pelo despertar da paixão, as carícias inebriantes de quem se sente tentado a ser virtuosidade inabalável.
Estava quase a conhecer o desejo realizado até que ela falou:
- Dou-lhe…
- O quê? – perguntei, os olhos fechados, enquanto o corpo tremia com o prazer oferecido, um longo silêncio se espalhando pelo quarto enquanto o crepitar do fogo na lareira cortava o ar.
- A Morte!!!
Sem eu esperar, Kirstin me atacou, mordendo-me o pescoço com uma tal avidez que a carne se separou, dilacerando qualquer harmonia de outrora. Levado pela dor, golfadas de sangue saíam do meu corpo e molhavam a cama enquanto as velas do quarto se acendiam e a lareira parecia ter um maior surto de energia.
Que ser desprezível era este para se perder em indecorosos abismos??? Deixando a sua boca ensanguentada formar os risos que somente a loucura conhece, banhava o seu corpo com o meu líquido vital como se a minha vida fosse mero lixo, nada de precioso perante o seu desejo de um aviltante gozo. O seu prazer, a minha morte, o desfecho menos improvável para tudo o que antes parecia ser a mais agradável das estações.
Para meu horror, as janelas se abriram e as cortinas bailaram como gargalhadas esvoaçantes ao sabor do vento. Incontáveis relâmpagos e trovões sucederam-se mutuamente enquanto eu desfalecia e ouvia os gritos de luxúria e diversão da odiosa mulher que antes me tinha dado tanto prazer.
Um outro leito me esperava que nenhuma clemência parecia permitir, apenas a torpe inquietude de um mundo onde as regras não poderiam ser moldadas pelo dealbar de um inglorioso fenecer. A perdição sendo que tudo o que concedia respeito ao fogo carnal era o carrasco para a minha alma rendida à eternidade. O melhor dos desejos singrando pelo toque funesto de uma panóplia que desrespeitava as cores de uma harmoniosa existência para que eu fosse, se calhar, injustiçado por uma justiça que nunca supus merecer.
Aqui, infelizmente, a inquietude se espalhava como odioso veneno que não tem razão para conceder descanso, disseminando as vertentes escarpadas das feridas mais ingratas que o corpo desejava pôr de parte. A devoção das sombras pelo abismo, o tragar de tudo o que correspondia ao descanso e me deixava sem vontade de lutar… tudo o que sabia a conquista sem glória se for uma conquista onde a sorte acaba por se matar.
Angustiado, não queria ter vindo a este mundo que os meus antepassados deixaram séculos atrás de modo a conhecer a história de uns outros que muito devem ter feito para viver consoante as suas regras. Que bem isso me fazia se agora padecia perante a loucura de uma mulher, o meu sangue vertendo num ritual de morte e lascívia?
Nada moldava pior contraste com o Éden que o cenário que parecia a dissoluta vertente que rege a atormentada escuridão pois Kirstin, na sua demente queda pelo abismo, abraçava-me, beijava-me, bebia o sangue que jorrava da ferida que tinha causado.
As velas pareciam conter enormes fornalhas cuja cera escorria para o chão enquanto odiosos vultos passeavam de um lado para o outro numa correria infernal. Apesar da dor, pareciam-me sombras cinzelando o ar com a mais fétida provação, os olhos fechando à medida que outras vozes, como um zumbido desigual, se juntavam à de Kirstin que ainda ria.
Queria morrer o mais depressa possível e acho que não teria mais medo da Morte do que tinha pelo que me estava a acontecer mas, prece das preces, fui salvo por um relâmpago que deixou a sua tão brilhante marca no quarto e acordei do que era um pesadelo, o inclemente estertor de um trovão ainda ressoando na minha mente. Demorou um bom bocado a me acostumar com a realidade mas, finalmente, o peito se acalmou, a desesperada ânsia pela sensualidade de uma mulher deixada a descansar. Um pesadelo, apenas isso, toldando a vivência que a noite podia trazer, fazendo com que acordasse eram ainda duas horas da madrugada.
Tinha descoberto os contornos de uma infame realidade que privilegiava a miséria e a desarmonia, ambos reles mestres para quem não deseja ser tocado por ambientes funestos e acaba entre o latejar de um arrepio e a dormência de um grito. Saber que o amor e o corpo não ditam espaço à glória quando sujeitos a tamanhos atritos é uma experiência que serve apenas para elevar a mágoa a viver, cabendo a quem deseja sorrir, avançar sem receio. Apesar da ignomínia que é desonrar o descanso, tentei aliviar a alma do peso de momentos atrás e deixar de lado o sufoco que é fenecer a alma.
Que maldição me tinha sido imposta para que tivesse tantos pesadelos neste recanto perdido do mundo? Será que seriam vivências de outras vidas, fantasias que irrompem pela sensação de não conseguir cobrir o medo e seu vil espanto com as melodias da placidez? Talvez o meu inconsciente quisesse que eu pagasse por ter diminuído a honra de uma mulher com um desejo que pecava pela falta de respeito, o qual se deve a todas, incluindo aquela que amamos e com quem nos casamos.
A verdade é que, apesar de a desejar de uma forma menos espiritual, a respeitava por tudo que era, o seu sorriso sendo a beleza que me faltava para conseguir ser feliz já que nunca tinha conhecido alguma mulher que tivesse a mesma riqueza que ela possuía.
Se ao menos soubesse que sentia por mim algo para além da amizade, o seu coração batendo pelo meu em franqueza e romântica firmeza, o meu sorriso seria capaz de conquistar todas as sombras e nem um resquício de pesadelo adornaria as minhas noites. No entanto, era ainda muito cedo para tal, o seu amigo holandês já a conhecendo há mais tempo e tendo o privilégio de uma maior intimidade. Se ela via algo de maravilhoso nele, não o poderia saber, embora a amizade tenha destas cores inebriantes para o íntimo.
A minha correria pela razão e a emoção trabalhavam em conjunto para me fazer ficar acordado, apenas a lareira aquecendo o meu ânimo por estar de volta a tão divina realidade onde a chuva e o crepitar do fogo me tornavam menos louco. Agraciando o peso do cansaço, os meus olhos se fecharam e, após algum tempo, à medida que adentrava o reino do sono, desejei que a noite ditasse outros planos enquanto dormisse, o sorriso me encantando a ser menos nervoso.

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