terça-feira, março 30, 2010

Molduras




Texto: escrito e declamado por mim, Jorge Ribeiro de Castro
Música: "The sweet hereafter" por Desiderii Marginis

Molduras

"De ruínas desesperadas que regem a noite com vis feitiços... De belezas escanzeladas que escapam ao manejar do Tempo... De tristeza, fragilidade e agonia que decidem adormecer na saudade de vida sem fulgor... De eu, tu e todos aqueles que não imaginam o que é ser feliz... apenas sofrer por tanto de momentos emprestados desejar...
De lamentos e suspiros que ganham bolor no mundo inferior De carícias já esquecidas que regem sonhos e nunca clamam por mais luz De templos, castelos e mosteiros onde foram criadas solenidades que se perderam em divinos cenários e uns outros tomados por demónios e serpentes De vida, morte e outras realidades que possuem o seu quinhão de dor a comédia de tragédias dementes
De toscas e aviltantes profecias que já há muito dançaram pelas covas de ríspidas e furtivas saudades De apatia e reles monotonia que dardejou esperança já escurecida pelo abraço de sonhos em ruína De cores sem luz nem calor que dominam as cavernas da minha alma, que cavam os insanos pesadelos de quem nunca foi contente De facadas, feridas e sangue as lágrimas de quem ama, as lágrimas de quem pela mais bela estrela clama, as lágrimas de quem arde e sofre
De caveiras e ossos desenhados pela Vida, atacados pela ingloriosa Morte e embriagados pela Desolação De espíritos humilhados pela Esperança que tantas vezes sorri mas raramente concede realidades, as certezas de haver lugar para tamanha vontade De marchas fúnebres, requiems ao passado já morto e funerais que prezam miséria e angústia De futilidades, banalidades e frivolidades sinónimos de um mesmo desprezo, de um nada que a ninguém importa, nem mesmo quem tenta se erguer
De esmolas nunca concedidas pelo Sol, raramente adornadas pela Lua e nem em sonhos oferecidas De passos sem força, enferrujados pela rispidez de quem já não tem coragem escrita no sangue De alentos desanimados, palidez esbranquiçada, mágoa por si própria magoada De tédio horrorizado por louca morbidez, vidas pela morte regidas e fios de prata partidos
De mil e um contos oferecidos à Humanidade e outras histórias, lendas e parábolas que surgiram de tudo o que o Tempo carrega De melodias que vivem na alma como se dançassem com todas as cores que nos foram oferecidas ao nascer De belas edificações, harmoniosas construções e tudo o mais que a imaginação nos deleitar De prazer, conforto, descanso, bem-estar e todas as sensações que à alegria nos quiser levar
De fotos já gastas com pobres já mortos O amarelo do Tempo que se esvai, que seduz a poeira de frutuosas recordações, as cantigas de milhares de maldições que fecham-me os olhos pedindo sono sem riso a acariciar
Sentado na rocha mais fria que a idade permite, tenho apenas a companhia de um fantasma que já não consigo tocar os lábios que se foram, os beijos que já não se unem ao meu amar a ousadia de se pensar que a Felicidade está viva e nos quer bem a profundidade de uma dor que preenche e não deixa espaço para a luz
E, finalmente, de portas, janelas e molduras De tudo o que nos importar"

1 comentário:

Daisy Libório disse...

Conseguiu dar à voz a sobriedade que a escrita necessitava...

*muito bom!