quinta-feira, setembro 12, 2013

excerto de "Truques e um golpe de sono"

"Naquela noite de ricos trajes, um homem, vindo da escuridão premente, vestido de forma infernal, cumprimentou-me sobejamente valendo-se de simpatia e elogiosa benevolência para com a minha conduta de poeta. Agradeci tal acto porque a minha poesia apenas mostrava dar a conhecer o que se podia imaginar do paraíso e do inferno, a desigualdade entre os dois encontrando semelhanças no nosso reino, este pelo qual tantas vezes ponderamos com ironia, sem nos interessar a cortesia, o respeito ou a hipocrisia. As suas palavras eram ditas com uma tal leveza não fosse o facto de o corpo conhecer a vermelhidão das brasas, os olhos trocando sinónimos com todas as trevas que se conhecia e só a partir do momento que lhe disse que ia descansar um pouco, o seu discurso mudou de tom.
− Oh ser cuja alma brilha, quem diria que iria defraudar a arte com o sono? Deveria criar e não adormecer!
− Se pretendo dormir é porque a poesia me gastou as forças e tudo o que deverá nascer de mim é uma riqueza que não poderei encontrar enquanto fraco.
− A poesia ou a loucura que bebeu? Se a vontade for muita, não haverá realidade que afaste a Arte!
− A loucura já nasceu em mim e a minha vontade é muita! É por isso que pretendo que seja a Arte a afastar a realidade…
− Sábias palavras que mereceriam aplausos… – disse, um longo silêncio surgindo depois.
− Mereceriam? Por qual razão não merecem? Será que o que disse tem menos valor a estas horas da noite? – perguntei, sorrindo.
− Porque só se aplaude a quem cria de forma inspirada e não a quem diz isto e aquilo embriagado, o sono cativando-o a empobrecer o espírito.
− As vossas palavras mereceriam uma vénia, mas perdoe-me se me sinto demasiado oprimido pelo cansaço para me levantar e abaixar. A loucura, a idade e o álcool sempre conquistam lugar no nosso corpo, apenas o meu espírito prenunciando altivez quando disposto perante tais agruras.
− Até o veneno que é mortal para o corpo de um humano, pode ser para a alma. Eu não enveredo por tais desencantos…
− Bem, não é muito estranho que, nesta festa onde a primazia seja dada à fantasia, um homem que se veste como um demónio diga que a Vida não lhe enlouqueceu um pouco, que suporta bem a idade e que ainda não bebeu. Mas duvido que sem a máscara o possa dizer…
− Nem todos podem dizer que com e sem uma máscara sejam verdadeiros, mas existe sempre quem o diga e seja. Eu, colocando-o sem rodeios, o digo e sou!
− Goza de um homem que nasceu poeta…
− Digo apenas a verdade.
− A verdade está em todos os pequenos prazeres da vida pois são eles que nos ensinam como podemos ser mais do que a soma dos preceitos divinos e demoníacos. Esses sendo apenas restos de uma antiga e virulenta insanidade, a corja mais entorpecida criada por quem desejava comandar aqueles que são fracos, sem alguma personalidade a enaltecer.
− Há maior riqueza para além do que vê, do que ouve e do que sente pois todas as verdades singram entre o Bem e o Mal! Acredite, o benfeitor e o malfeitor são lados que se cruzam várias vezes na Vida e a religião ajuda a distingui-los.
− O que diz é apenas uma das banalidades que se conhece enquanto se respira! Para mim, o que a religião mostra é uma forma ingrata de superar o medo, o desejo de não estarmos sozinhos. Infelizmente, descobrimos depois que somos escravos da sua vontade, que não podemos pensar e agir por nós próprios, que perdemos o nosso rumo.
− Pensa demasiado para quem está embriagado e com sono…
− Eu sou um poeta, um artista que preza mais a sua mente e o seu espírito do que ter de se agarrar a todas as vontades absolutas criadas por mentes sujas e espíritos cretinos.
− Não pense que por não temer não haja forma de apodrecer em meio a óbvias conclusões.
− Graceja demasiado para meu gosto mostrando que o seu vocabulário pode ser rico, mas a mente é mais baixa do que a minha. Vá embora e deixe-me dormir! Já não me importam as suas conversas!
− Uma vez mais, descubro que a vaidade, a ingratidão e a estupidez são as mortalhas que o Homem bem conhece. Que assim seja…"

excerto de "Um sonho lembrando o mar"



Ao vaguear por esse terreno encantado que é a alvura etérea do viajar, observei um recanto que meu não era, assente pela posse de todas as quedas e lamentos, talvez uma distante memória desabrigada pelo firmamento enquanto os passos eram dados. Sendo curioso e corajoso, firmei consentimento com a terra que à frente me esperava, passando por árvores, arbustos e flores como se o vento estivesse preso aos meus pés, um coração de fogo no meu peito batendo. A minha vontade seria descobrir o que existia neste jogo enevoado que é sentir-me desabrigado num mundo desconhecido onde nem a prosa nem a rima têm sabor.
Ecos de valorosos momentos passaram e todos eles de encanto me cobriram pois já se aproximava o fechar do dia e, com este, novas e flamejantes cores libertavam o seu perfume. A minha vida conhecendo um outro olhar, a libertação sem qualquer queixume a não ser ter de ver as estrelas, julgando-me só e mal acompanhado como se alguém ordenasse solidão como paga de tempos idos que já não sabem brilhar.
Uns outros passos e já me chegava aos ouvidos o som de um mar liberto, aquela melodia tão sedutora que é a dança das águas com a terra encantada. Nesse momento, lamentando o fugir da harmonia, fustigava-me a vontade de querer encontrar alguém que me desse a conhecer a razão de aqui estar, que me dissesse para onde deveria ir ou se teria uma casa onde dormir. Submetido ao desconhecido, sentia-me como se a felicidade tivesse duas asas quebradas que se arrastavam tal como os vermes, deixando, no seu dissoluto trilho, detestáveis marcas. O meu brilho era como a queda do sol ardente, o sorriso como a ponte entre o abismo e o céu, o meu cansaço desvirtuando a noite que não oferecia quaisquer momentos em que o sono pudesse estar presente. A impossibilidade de me lembrar das horas em que o sorriso tinha sido maior, sujeitava-me a estar perplexo, mas não iria deixar de caminhar pois talvez aquele perfume a mar fosse o início de uma outra vida. E assim foi…
Com o olhar sagaz, o espírito sendo um voar de ideias, o coração ardendo como fruto de sensações desiguais, vi então uma figura feminina. Talhada em finas formas, o encanto que é mulher disposta perto de uma enseada enquanto o mar era ríspido e dissoluto, como se procurasse recolher da terra o espaço e o tesouro que achava ser seu. Estendida na praia, desacordada, tristemente frágil, mas de um encanto que vagava pela celeste beleza do que me fez adorá-la, parecia uma deusa no seu leito preferido, a suavidade do éter que tinha descido à terra enquanto as ondas serpenteavam tais vales e montanhas que não queriam a calma.
Sorrindo, observei-a por longos momentos, tão majestosa quanto o amanhecer, a respiração sendo fruto de uma certa melancolia que a fazia pálida, desprotegida… Talvez, tal como eu, tivesse caminhado por longas horas, o cansaço tomando conta da sua doce forma, ou talvez esperasse por alguém, uma fagulha da sorte que tão bem conhecia. Enfim, a minha curiosidade era imensa e o único desejo que sentia nesse momento era fazê-la feliz, tentar arranjar uma cura para quaisquer males que a afligissem se, por acaso, os tivesse, esperando que fossemos os únicos neste recinto de encanto.
Com um leve toque na sua cara, os longos cabelos pretos cobrindo-lhe parte do corpo, a ninfa que tanto me adoçou o olhar acordou, os olhos azuis perscrutando o horizonte próximo como se não soubesse onde estava. De repente, agitou-se, gritou e levantou-se, a respiração sendo agora forçada, deixada ao mesmo ritmo que as ondas do mar. Acalmando-a, disse-lhe que estava tudo bem, que não lhe iria fazer mal, que só queria ajudá-la.
Olhando para mim com ar de espanto, perguntou-me quem era…
− Não tenho nome para lhe dar… desconheço quem sou… não sei quem era… Existo aqui… Apenas isso… E o seu?
− O meu nome é… é… não sei… Tudo em mim existe como névoa… sou apenas o que sinto e o que vê…
Por longos momentos, sorriu, a minha respiração tornando-se mais rápida, fazendo-me sentir a cortesia de ter encontrado uma mulher que em tudo em mim tocava, que tinha a beleza de mil paraísos e que talvez visse em mim um só, mas que muito poderia dizer-lhe. Infelizmente, para meu tão grande infortúnio, desapareceu. Atónito, fechei os olhos para depois os abrir, mas o mesmo vazio ainda lá se encontrava. Ela já não me fazia estremecer com o encanto de a ver, tendo deixado aquela dor que era a saudade…

A ninfa…

Supus um sonho… encontrei a beleza… um anjo… mas acordei… a minha realidade… a minha mais agreste certeza sendo que o homem com quem sonhei parecia comigo sonhar… a magia de um toque de ondas ao lado das quais adormeci, cansada, visivelmente enfastiada com o facto de que a beleza que procuro só em sonhos poderia encontrar…
A gentileza de um sopro que fizesse-me sorrir, pensar, sentir, desejar, vivia ainda dentro de mim…
Por anos, estive sozinha por minha própria vontade, por não sentir que havia riqueza em outras vidas, pois todas elas eram pálidas, materialistas, retorcidas… Na verdade, procurava apenas a poesia de um coração que quisesse em tudo me dar atenção e não apenas a palidez da luxúria, um momento pelo Tempo cansado em laivos de tentações onde não havia abrigo para um sorriso que fosse adornado pelo amor.
Passava o Tempo perdida entre livros, a casa e o mar… Olhava para tudo o que era lado, o céu sendo o meu confidente por possuir milhentas janelas por onde a minha alma podia voar. A inquietação induzida pelo que procurava fazendo-me sobressaltar, sabendo que nos sonhos, devido à mais gloriosa das magias, tudo poderia acontecer.
E aconteceu… Perdi-me nos seus olhos… Castanhos, vigorosos, cheios de fogo onde podia a alma aquecer, onde queria perder-me por serem olhos de anjo, de vontade divina, de apoteose merecida. Nunca esquecerei a sua tão bela face… Não lhe via qualquer cabelo, mas os olhos profundos diziam-me muito mais, vertendo uma ansiedade mútua, um respirar que podia tornar-se uno, se eu não tivesse acordado e deixado a triste e desiludida realidade fazer-me esvaecer em cansaço e agonia. Agora, com estes solitários passos em que faço o meu caminho, procuro apenas uma outra noite, um sonho onde possa encontrá-lo, sentir que tem mais do que beleza para me dar, a firme alvura de uma alma que, com a minha, rime.
E se encontrasse a felicidade em sonhos?
E se a eternidade me concedesse o desejo de viver?
Oh! Jocosa melodia que se firma como gloriosa vontade e faz-me feliz! Será que algum dia esse homem me trará a felicidade que há tantos anos desejo e nunca me quis?

O anjo…

Porque a poesia irrompe de onde e quando menos se espera, cobria-me um encanto que não sabia onde me iria levar, um soluço que me deixou imobilizado perante uma bela mulher. No entanto, os meus passos tinham agora uma força desigual como se ela, ao desaparecer, me tivesse deixado sem coração, levando toda a magia que poderia representar, deixando um frio que me cortava o corpo, se não fosse a alma, enquanto via as cores de um poente a terra cobrir.
Ainda olhei para o mar, a revolta de outrora sendo agora um murmúrio, sentindo-me como se o íntimo fosse um triste recanto que nada me trazia de sereno. Pensar que a tinha perdido mesmo antes dos seus lábios sentir, uma fagulha que não tinha conseguido como fogo viver…
O Tempo era uma distância que afugentava a ligeireza do encanto da Natureza, deixando uma torpe lágrima cair de um dos meus olhos. Um paraíso encontrado e perdido num piscar de olhos. Atordoado, deixando os pensamentos distanciarem-se para o divino horizonte de um outro momento, escutava o suave bater do mar na praia e não notei a aproximação de um outro ser, o toque de uma mão no meu ombro fazendo-me virar.
− Voltei… − disse a mulher, a ninfa, a deusa, que tanto me fascinara.
− Sim… Fico feliz por tal… − respondi, um sorriso abrindo-se na minha cara.
− Não o conseguia esquecer…
− Passou tanto tempo, a angústia tomando conta do meu ser… Para onde foi?
− Não sei bem… Lembro-me de certas partes, mas a minha memória queda-se enevoada, como se tudo o que não existisse aqui, fosse uma pálida existência antes de neste recinto nascer…
− Sim… entendo-a…
Por longos momentos, olhamo-nos. Os seus tão belos olhos azuis sendo mais cativantes, de uma serenidade delirante, do que todo o mar e as suas profundezas. Sorrimos… Talvez não houvesse um momento mais desejado do que este em que, a partir dos desenhos acariciados pelo olhar, houvesse um beijo ligando as duas bocas. Doce… Suave… Ternurenta… Tão divina era a sua boca unida à minha. A vontade desmedida de possuir a elegância do amor em tão carinhosos toques fazendo com que suspirássemos com a mais bela das emoções.
Ao beija-la, deixei a confusão desaparecer, sabendo que tudo o que desejava já tinha, pouco me importando se a ausência de outras recordações assombrava a minha mente pois era esta que almejava e não uma que espalhasse uma névoa ingrata ao meu redor. No entanto, vi-me outra vez só… A minha amada tinha desaparecido…

A ninfa…

Um outro sonho… Uma outra vida… Nós os dois… Tocados pelo mesmo destino… Fui levada pelo condão da tristeza, a patética desventura de, por duas vezes, ter encontrado um tesouro e tê-lo perdido com os meus passos pelo mais terrível dos cenários.
O primeiro sorriso tinha sido quase uma semana antes, tendo vivido os momentos de espera em inquietação e pálida nostalgia, em nenhum outro lugar encontrando a magia que tanto me tinha feito sentir viva. Fartava-me ter de, em voz alta, dizer que só tinha um sonho que pudesse aquecer-me.
Sim… Um sonho… O homem que tanto me tinha feito conhecer o verdadeiro amor tinha sido fruto de um sonho, uma espécie de acordo mágico entre dois mundos de modo a abrilhantar um e outro com a finura de tão brilhantes palavras, a doçura de inebriantes espasmos por entre céus e mares de magia.
A Vida…
Alguém devia estar a soltar gargalhadas ao fazer-me crer ser cinza e ilusão pois o único homem que gostaria de no meu recanto privado encontrar não estava ao meu lado e nem sabia se algum dia voltaria a estar. Mesmo assim, não esquecia o seu sorriso, o seu terno encanto, os olhos abrigando muita da luz que me faltava e muita da juventude que procurava.
A Felicidade tinha-me aberto uma porta, um segredo desvendado pelos etéreos caminhos da sedução onde tudo possuía uma tão maravilhosa certeza. Neste momento, neste recanto, sentia-me caída, tocada pela memória desses tão doces lábios e não podendo nem devendo a minha loucura gritar. Seria considerada louca se já não o fosse por ter vindo para aqui viver, longe de tudo e de todos, apenas eu e o mar… o sonho e o desejar. No entanto, tinha decidido afastar-me das afirmações e indagações de quem não é justo e sincero, de quem se impele a caminhar perante a lividez de espíritos doentes que dizem ser os correctos, que a Vida não deve ter o encanto do coração, mas que apenas o dinheiro e outras coisas materiais importam. Repugnava-me saber que o mundo onde tinha nascido tinha as cores da infâmia e devassidão, que já não existia oportunidade para o encanto, para o dia ser belo e a noite ter tudo menos as sombras de um vazio que não traz paz.
Oh, o meu amado… Ainda conseguia vê-lo… Os seus olhos tão belos ensinando-me as cores da harmonia, o seu toque de homem corajoso, de poeta orgulhoso, de suavidade sem par. Ao sonhar, tornei-me sua, descobrindo que mais ninguém me poderia fazer assim sentir. Uma mulher que lia um poema sem fim num mundo de nuvens que talvez tivesse sido criado unicamente para ela.
Eu… A afortunada…
Parecia-me que esse sonho tinha durado uma vida pois, enquanto sonhava, tinha conseguido esquecer a realidade e povoar uma outra com o mais belo que podia criar, não fosse, desde antes, uma aventureira que não tinha medo de desbravar o desconhecido.

- "De um encanto preso ao amanhecer" - excerto

"O que antes era um murmúrio, uma leve nota de grandeza, gradualmente se deu a conhecer como a doce voz da mulher que amava, a serenidade que antes conhecia abatendo-se com as palavras que expirou:
– Precisas de ajuda! Ainda não reparaste que estou morta?
Por longos momentos fitou-a, o silêncio contradizendo o turbilhão que troava pela sua alma. Vê-la tão bela quanto o primeiro dia em que a tinha conhecido, o seu longo cabelo ruivo adornando uma face oval onde os olhos azulados enunciavam elegância e cortesia. Entristeceu-lhe pensar que ela estava a ficar louca…
– Porque brincas? Acordo e em vez de um beijo, dizes isso?
– Mas é verdade! Estou morta! Já morri há muito tempo, mas não o sabes… Precisas de ajuda!
– Pára com isso! Já não estou a gostar da brincadeira!
– Não é brincadeira, amor… Tens uma vida para viver… Recomeçar a sorrir, esquecer este mundo… a mim…
– Pára! Se queres divorciar-te, então diz! Não me faças isto, desrespeitares-me com algo tão absurdo… Eu amo-te… Amo-te imenso, mas também saberei respeitar e compreender as tuas vontades se não mais quiseres estar comigo…
– O que digo nada tem a ver com o amor… É a verdade… Já não existo… Estou morta há muito tempo…
– Não! Pára com isso! Deixa-me… Deixa-me sozinho… Depois falaremos melhor…
– Sim, é o melhor… Irás descobrir que digo a verdade…
– Descobrir? Apenas quero que me trates como antes e não como se fosses louca, como se tudo o que considerava que eras nada tivesse de belo…
– Mas… Mas tudo mudou… O mundo muda, sabias? Não podemos controlar o Tempo… enfim… talvez… um dia…
E com estas palavras saiu da sala. Sentado no sofá, Vicente chorou por ter conhecido as palavras mais loucas que ela alguma vez tinha pronunciado.
Não sabia o que estava a acontecer, a veracidade do que dizia sendo posta claramente em causa porque, se a via respirar tão bela como a tinha visto em outros dias, algo de certeza devia ter acontecido para agir de forma tão estranha. Enquanto conversaram, não lhe tinha notado qualquer contusão na cabeça, uma pancada que mostrasse que algum acidente pudesse ter ocorrido. Então, que outra explicação poderia haver para agir assim?
A sua mulher não estava bem e algo tinha de ser feito para a ajudar. Tão jovem… Porque é que, quando se pensa que a Vida nos concede bons frutos, quando o futuro surge risonho, existe sempre algo que nos mostra as portas da Loucura? Só se tinham casado há um ano e meio e eram felizes após as agruras de pálidos momentos que não se mostraram tão belos assim para serem recordados, tempos difíceis em que eram marcados pela dor que apunhalava a harmonia e o sorriso que vivia destroçado, uma trágica relíquia enunciada pela áspera existência e que nem o amanhecer conseguia enriquecer. Tal como ele, ela conheceu a nostalgia das lágrimas, a injúria de ter feito planos sempre que uma relação amorosa começava, mas a verdade é que ninguém os merecia mais do que eles os dois descobriram merecer."

excerto da prosa poética "Da neblina, o espelho..."

"Os rabiscos que as fantasias constroem e que separam a carne de um outro prazer, instam os ímpios a procurar verdades quando a aparência peca por ser falsa e escurece o dia sem o entardecer. As cadeiras e mesas por vermes carcomidas que gastam o seu suor e"Os rabiscos que as fantasias constroem e que separam a carne de um outro prazer, instam os ímpios a procurar verdades quando a aparência peca por ser falsa e escurece o dia sem o entardecer. As cadeiras e mesas por vermes carcomidas que gastam o seu suor em "riquezas" e outros pálidos brilhos, não sabem que são poeira, antes concedem primazia às elevadas sociedades que nada constroem além de vestes e luzes tão ingratas quanto ver um moribundo e das suas dores não padecer.
Perdido, sinto que o pudor tem a marca do sangue, os restos de um depósito inquieto que recebe os detritos de tantas noites de loucura. As feridas brilham como ouro num deserto esfomeado, mas apenas os sorrisos ardem na noite que já espreita. Nesta, apenas trocam-se saudações, brinda-se a um novo começo com as mais elogiadas entoações, o renascimento que faça-nos caminhar. Seduzido pelos vales mais doces que a mão ligeira tem o condão de criar, nada mais peço do que palavras de nobre alento, o secar de todas as lágrimas, a quietude de um conforto onde não haja terra nem queda que queira a luz afundar."m "riquezas" e outros pálidos brilhos, não sabem que são poeira, antes concedem primazia às elevadas sociedades que nada constroem além de vestes e luzes tão ingratas quanto ver um moribundo e das suas dores não padecer.
Perdido, sinto que o pudor tem a marca do sangue, os restos de um depósito inquieto que recebe os detritos de tantas noites de loucura. As feridas brilham como ouro num deserto esfomeado, mas apenas os sorrisos ardem na noite que já espreita. Nesta, apenas trocam-se saudações, brinda-se a um novo começo com as mais elogiadas entoações, o renascimento que faça-nos caminhar. Seduzido pelos vales mais doces que a mão ligeira tem o condão de criar, nada mais peço do que palavras de nobre alento, o secar de todas as lágrimas, a quietude de um conforto onde não haja terra nem queda que queira a luz afundar."

excerto da prosa poética "Guardo a sede por desejos..."

"Como suspiro estendido numa cama sem pudor, onde nada o desejo e tudo se chama tentação, vemo-nos felizes, sonhos descobertos como espelhos acariciados pelo que de belo é fulgor quando se desperta a rica cor, a luxuriosa riqueza do teu sabor, um perfume que a inocência despe. Ah! Que me digas que já não há água nos teus olhos porque a minha sede busca somente os teus lábios, esse toque estonteante que troca solidão por prazer e reflecte paz ao adormecer, querendo a ti, elevando a mim, entrando em ti, respirando a mim, dentro e fora de ti…"

excerto de "Por caminhos arcanos errei" - o meu 4º livro ( ebook, download gratuito)

"Será que teria a ousadia necessária para levar em frente a missão de desvendar um mistério que me subjugava? Um simples artefacto, como um relógio de bolso, poderia não inspirar muito interesse mas o valor que lhe dava por ter sido o meu pai a oferecer como prova de honra e orgulho (e por conter as fotos dos meus progenitores, não tendo em conta que era feito em ouro), simbolizava um elo que não desejava desprezar.
Em justiça para com a abençoada memória, devia investigar o que podia ter acontecido ao relógio e, se não foi perdido mas sim roubado, faria o possível para que a miséria caísse sobre a cabeça do meu atacante. Apesar das circunstâncias atenuantes que Kirstin me tinha dado a conhecer, um cemitério é um lugar estranho para alguém ainda vivo habitar, não importando a pobreza da sua existência, fosse que tipo de ladrão fosse, a não ser que… Não…. Essa é uma ideia demasiado horrível para supor… Saquear as criptas, desonrar a memória de quem já não vivia, adulterar os túmulos à procura de valiosos saques que pudessem satisfazer a sua ganância. Não!!! Se tinha de acreditar em algo, não poderia acreditar que quem me tinha atacado fosse alguém cuja vida era ainda mais fantástica e iníqua. Não poderia pensar que existia alguém assim tão horrível, sem quaisquer escrúpulos, que não se importasse em respeitar a memória de quem muito passou enquanto vivo…
A dúvida, essa inquieta figura que percorria os meus sonhos como se de um mestre se tratasse, incomodava as minhas divagações enquanto acordado pois sabia que existia nesta região um mistério e esses sempre existem além da realidade a que estamos acostumados. Era necessário raciocinar de forma clara para não me deixar abater por quaisquer ignobilidades que a paisagem e as recordações pudessem induzir. Afinal, precisava de encontrar o relógio pois, sem esse tão valioso tesouro, sentia que me faltava um pouco da paz de espírito de outrora.
Em meio à estrondosa dissonância da tempestade, surgia a absoluta necessidade de adormecer, recuperar forças e preparar-me para as horas vindouras. Apesar de as janelas deverem estar fechadas, conseguia ouvir o som agreste do vento que teimava em resvalar por entre as brechas que cobriam a superfície desta imponente edificação. Parecia o grito de incontáveis almas em dor, a gélida carícia de um elemento que vagueava invisível. Era este o frágil sopro da vida ou apenas uma indistinta mancha no caos que rege o mundo?"

http://www.youtube.com/watch?v=FMZJtz8qWA8

excerto de "A noite e a minha procura por ti..."

"Soube antes escrever o que o céu desenha, os traços escorrendo pela tinta como fragmentos de um pincel desnivelado, as formas divagando sobre a natureza que os teus olhos transmitem mesmo a vários quilómetros da minha realidade. Embebido em leves nuances de paixão e alegria, vagueava pelos vales onde a tua alma brilhava, respirando os tons de névoa que faziam-me tremer, tais devaneios de outras noites que só eu e tu conhecíamos.
Éramos encanto e toda a luz reaparecia com a palavra entoada, o medo sacudindo as asas e conhecendo o abismo que nunca quisemos que fosse a nossa casa. Existiam doces sorrisos que revestiam as paredes do nosso lar com a esperança e a liberdade, embora soubéssemos que era preciso mais do que o amor para viver.
- Amanhã… Seremos felizes? – perguntaste, as faces coradas, a cabeça baixa, as mãos tocando os joelhos.
- Vivemos hoje. Amanhã também será um “hoje”, pois a nossa felicidade é maior do que o medo – respondi, beijando depois as tuas mãos, acariciando-as com o meu calor."