domingo, julho 07, 2013

excerto de "A suave intriga"

− O mundo já é perfeito, não precisa da minha arte.
− O mundo nunca será demasiado perfeito para a Arte.
− Não acredito. Vejo-o, sinto-o e é tudo tão inalcançável para mim. Não o posso melhorar quando pinto.
− O mundo não pede para ser melhorado através da Arte. Apenas podemos descrevê-lo da melhor forma possível dado o facto de sermos tão falíveis.
− Erramos tanto quando descrevemos o mundo. Surgimos com uma visão tão alterada que até pensamos que não estamos a viver neste mundo, mas num outro, um tão estranho e corrupto que nos arrepia e consome.
− Então, o artista, quando cria baseando-se no que está a ver, mente?
− Todos os artistas mentem. Só assim é que conseguem ser originais…
− E por que não queres mentir?
− Eu queria poder descrever o mundo tal como ele é, mas, quando pinto, deturpo-o.
− Somos produtos de tentativas e erros. Desistir de algo só porque é difícil não nos faz bem.
− Eu nunca desisti! Apenas sujeito-me a outras experiências, a outras verdades que não sejam as que tento criar.
− Preferes observar do que criar?
− Sim.
− Isso não te prejudica?
− Como assim?
− Consegues observar o que os outros criam sem te sentires mal?
− Nunca senti inveja.
− Não falo disso. Nunca sentiste saudades de criar, de fazer algo por ti, vindo com uma arte só tua?
− Tento não pensar nisso.
− Porquê?
− Se pensar nisso, talvez recomece a pintar e depois descubra que não posso parar, que pintarei até ao final da minha vida e que serei sempre triste.
− Porquê pensas assim?
− A meu ver, o mundo é demasiado perfeito. Assim, tudo que nele existe é como deve ser. Há uma luta constante entre o Bem e o Mal. Há tanta beleza e tanta fealdade que nos faz sorrir e entristecer. Como é que poderia criar algo que fosse tão verdadeiro quanto o mundo é? Se voltasse a pintar, tentando e errando, até ao final da minha vida, não teria um momento de paz pois sempre pensaria que aquela flor, aquela árvore, aquele ser, tão vivos quanto me pareciam na altura, já não me transmitia a mesma energia e o mesmo encanto. Teria de admitir que eu o tinha morto.
− Se a pintura te faz sentir assim, porque não experimentas uma outra arte? Cinema, Fotografia… Os anos passariam e terias a certeza de que, por estarem ali, existiram, também a incerteza sobre o facto de estarem ou não vivos.
− Não penso na vida de forma tão simples.
− Nem eu. Se a vida fosse simples, de que valeria a pena viver?
− Há sonhos que caem e outros que começam.
− Não era um teu sonho, criar?
− Sim, era.
− Já não é porquê?
− Os anos passam e um pouco da nossa felicidade murcha porque descobrimos que não somos assim tão bons…

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