domingo, julho 07, 2013

excerto de "Resquícios de estranhas sinfonias"



Por entre as melodias das aves e a brisa que traz leveza ao coração, conseguia ouvir uma doce voz de mulher entoar palavras que traziam paixão e encanto acompanhada pelo toque sublime de uma harpa. Não sabia que a gentileza também morava por estes lados, que havia uma outra luz que satisfazia a juventude com a formosura renascida nas delícias de uma riqueza que espelhava a bem – aventurança.

Aos poucos e poucos, fui caminhando até onde a voz se ouvia melhor tentando não assustar quem pudesse estar a cantar. Escondendo-me por detrás de uns arbustos, pude espantar-me com o que de mais doce tinha sido criado…
Num cenário vestido de colunas brancas, diversas plantas que ornavam com sobriedade e bom gosto as paredes ao fundo, podia ver a mais bela mulher que a realidade ou os meus sonhos me tinham antes dado a conhecer.
Aparentava ter vinte e poucos anos, longos cabelos louros, levemente ondulados, desciam até à cintura, os olhos rasgados, e mesmo assim, grandes e brilhantes. Os lábios eram finos, invocando beleza com cada sopro, o corpo coberto por uma fina vestimenta de linho branco e que nada devia à deusa por quem artistas de todos os séculos enlouqueceram. Sim, até eu fui levado por aquela cascata de emoções que é ser encantado.
Não haviam adjectivos mais doces ou sinónimos mais sublimes que pudessem formar uma frase rica em conteúdo, uma única frase onde eu não visse a palidez de uma tentativa desafortunada. Para meu pesar, nem uma outra frase que pudesse apresentar-me de forma digna surgia… Afinal, que conseguiria dizer se até as minhas roupas possuíam o toque de uma sombria morada e se estavam todas inebriadas pela poeira e por um manto líquido?
Desejando saciar a fome de paz e harmonia, aproximei-me um pouco mais de modo a observar melhor a sublime beleza que regia este reino tão perto do paraíso quanto o outro que tinha visitado parecia estar perto daquele lugar macabro que até as próprias palavras temem descrever.
A mulher que observava surgia como o impulso que vibrava pelos poros do meu ser, o formar de um gesto cadenciado pelo sorriso, a voz divina que sustinha a imensidade de todas as jóias que a Natureza poderia oferecer. O embalo das notas musicais fazia-me guardar as carícias que nunca nenhuma outra mulher poderia ofertar, não parecesse este o canto mais especial que o Universo poderia ter criado, não fosse esta a brisa que inspirava as nuvens a dançar alegremente banhadas por um Sol que parecia saído da Primavera, em direcção ao jocoso Verão.
Não sei explicar a ânsia que sentia pois o fervor mais doce tocava-me a alma e tornava-me um pálido desconhecido, como se os segredos que regem a nobreza que transpira sentimento, me levassem para um quarto onde tudo seria mudo e apenas os olhos poderiam descrever toda a situação.
Ser-se mortal possui os seus princípios e, para além de todas as faculdades intelectuais e emocionais, temos de nos render, de vez em quando, ao quadro que pinta os nossos defeitos físicos. Sem conseguir suster um fim, pois as roupas molhadas e o calor que sentia assim me obrigaram, espirrei…
Parando de invocar a alma com os lábios e dedos, a rapariga perguntou, a voz tão bela quanto o seu canto:
- Quem aí está?
Envergonhado perante a nobreza do seu porte, adiantei-me, sentindo-me um vagabundo sem qualquer brilho perante o requinte de outra classe.
- Oh! Um homem!!! – exclamou, visivelmente espantada.
- Desculpe incomodá-la. O meu nome é Olivier Dean Pryce e não sei como vim aqui parar. Ouvi a sua voz e quis ouvi-la um pouco mais. Desculpe se a amedrontei… - afirmei, terrivelmente desolado por poder ter cometido alguma falha
- Oh, não se preocupe… Há muito tempo que não vejo ninguém…
- Quer dizer que está aqui sozinha? - perguntei, verdadeiramente intrigado.
- Sim… Há tanto tempo que aqui vim parar e tudo se resume a momentos que passam… Durmo e é dia, acordo e é dia… Não há noite que visite este paraíso. Mas, um homem…
- Há muito que não vê um?
- Oh… Existem esculturas mas há tanto tempo que não vejo um vivo. A artificialidade de tais objectos de Arte não conseguem relembrar-me como verdadeiramente os homens são…
- De carne e osso como vós, possuidores de um vasto leque de emoções e ideias que transmitem fogo onde apenas a matéria crua existe…
- Sim, acredito que sim… Este lugar é um paraíso no verdadeiro sentido da palavra e a Natureza não tem qualquer pudor em mostrar a sua magia. No entanto, se sou Eva, falta-me um Adão…
- Eva? É o seu nome?
- Não… Não me lembro de onde vim mas sei que o meu nome é Isanthya… Um nome já antigo, que deixa a alma rimar com a frescura das águas, a espuma do mar…

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