Normalmente era à noite que os levava a terminar a sua existência, firmando um contrato permanente com a realidade que comandava, um manto de espectros e inquietas sensações povoando o meu mundo que rivalizava em grandeza com toda a beleza que diziam pertencer a este tão singelo cenário. Adorava os gritos de pavor ou até mesmo aquela mudez que é descobrirem que já não existiam mais segundos a lhes conceder vida, que eu era o Mestre que lhes cortava a esperança quando, tempos atrás, tinham sido eles, a cortar a fé de maiores riquezas daqueles que não mereciam ser sacrificados pelo seu egoísmo.
O sabor a sangue, o refulgir de dezenas de serenatas à meia-luz onde a lâmina encantava a carne, toda aquela proximidade com um destino que nunca souberam tão perto mas que Eu, a Morte, lhes ensinava como receber. Eram todos assassinos, desmiolados que se assumiam como inteligentes mas cujos actos eram apenas migalhas, reles hóspedes da minha grandeza que já não mereciam continuar numa realidade longe da minha. No meu reino, a história seria outra pois lhes ensinaria que a Morte merece o respeito de tal posição…
Uma noite, muito tempo após o iniciar da minha demanda, caminhava por um longo e sombreado quarto, os meus passos sendo leves estertores na casa abandonada onde mais uma das reles criaturas se encontrava. A sua presença não transmitia qualquer encanto a não ser aquele que se repete pelos confins da rústica imensidão que é ter as desoladoras sombras como conforto, a tentadora brusquidão que delimita o corpo e empalidece a alma. Eu, pelo mérito que não me tinha sido dado, faria o possível para vingar a honra ao terminar a existência de mais um que entoava um mundano prazer ao saber que as raparigas que seduzia, violava e matava, eram apenas meros objectos condenados ao seu bel-prazer.
A corja de falsos seguidores que nenhum tesouro promete e que renega a cortesia de ter o meu nome como promessa final iria perder mais um dos seus pois tal homem não merecia mais anos para seguir o seu apego à ingratidão. Se antes, por vontade própria, não indicava que a sua conduta tinha o meu mérito, porque razão o iria desculpar, deixando-o ter uma existência sem o sabor da minha vitória? Nunca o fiz em relação aos outros e não o iria fazer agora!!!
Talvez me dissesse, tal como os outros o fizeram, que a sua disciplina era amortalhada pela minha existência, que não devia morrer só por não ter dito a quem matava que o fazia em nome da Morte. Mas de que me valeria isso??? Onde estaria o respeito e o valor que merecia, o crédito que é inspirar a conquista de outros terrenos, aqueles onde a minha glória é maior??? Não!!! Uma vez mais tudo acabaria e eu faria o possível para mostrar a todos que era a mim que deviam enaltecer e não o seu egoísmo!!!
Silenciosamente, desci umas escadas que levavam a uma cave, uma parte da casa onde o ingrato de certeza estaria. Se eu fosse um mortal como ele, não haveriam dúvidas sobre o medo que sentiria pois tudo isso era eu, o deus que conquista e se deixa levar pelas promessas que a Vida contém, sabendo que todos, ao nascer, terão de me conhecer.
Um certo sorriso brilhava em mim, talvez a ganância de me apropriar da rude energia que o Tempo tinha dado a certos dementes que pensavam que somente eles mereciam deter o direito sobre o término. Ele, o homem com um banal movimento de carne e ossos, depressa descobriria que não deveria brincar com coisas sérias, que o meu encanto era símbolo da mais divina riqueza.
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