quinta-feira, setembro 08, 2011

Tenho um sonho como consorte (excerto de um conto que pode ser lido no livro "O cortejo das virtuosas solenidades")

Acordei para um outro momento e parecia-me ter visitado séculos de que ninguém tinha memória, um sono com o louvor de jardins encantados onde pintar a fome, o desejo de cortejar as paredes da harmonia e do descanso com os olhos fechados, a cor de outrora sendo um ligeiro bem-estar que reluzia os lábios com o sorriso. Já não me lembrava de quando tinha dormido assim tão bem, o corpo conhecendo os trejeitos da mais viva substância onde não havia qualquer dor, os meus passos sendo tão leves quanto o ar, a alma insuflada pela alegria de ser este o mais maravilhoso dos dias que a minha jovem existência conheceu.
Iria-me casar… O belo homem que tanto seduzia cada sinuosidade da minha condição de mulher e me elevava o espírito a ser inundado de luz, sendo pródigo de uma arte tão maravilhosa que poderia dá-lo a conhecer como um anjo que o mundo viu nascer. Assim, com toda a vaidade elogiava os seus actos como sendo os mais próprios de quem sentia a riqueza que é lutar por sonhos e vê-los concretizados. Ele era a epítome de quem eu tinha sonhado para meu esposo…
A minha felicidade era tão grande que nem me importava que a inveja levasse certas pessoas a pensar que o estatuto que ele tinha me dava a inaudita sensação que inflama. Eu e o meu amado éramos mais do que elas poderiam alguma vez sentir pois o amor que nos conduzia era a divina concepção materializada em solo mortal. E alegremente vivia, a liberdade de traduzir o que de pitoresco inebria a Arte sendo as formas mais doces e luzidias de agraciar a vida com um valioso requinte.
Oh, não é por dizer isto que se deverá achar que me sinto mais do que todos os que aqui vivem! Apenas verto tamanha felicidade por as ricas cores pintadas no meu ser serem cenários incandescentes que surgiram com o mais elegante verbo que o linguajar acariciou. E assim elevo a minha voz a pronunciar que hoje é definitivamente o dia mais belo de toda a minha vida! Apetece-me dançar, cantar, sorrir e rir como se louca fosse porque louca me sinto de tão verdadeiro é este sentimento! Estaremos finalmente unidos ao fim do dia pela mais bela das poesias, o entoar do verdadeiro perfume que embevece a felicidade.
Sim, hoje o meu sorriso é dos mais sublimes que já tive e se não me importam as manhãs de outros dias em que olhava para o verdejante horizonte da propriedade pertencente ao meu pai, é porque todas elas tinham uma riqueza menor. Mesmo assim, antes de o meu escolhido ter-me dado a conhecer o seu encanto por mim todos os outros momentos tinham uma riqueza ainda menor e, estes, menor ainda do que a ocasião em que fez valer o desejo de se unir a mim para além da alma e do coração, a ponte mais íntima que apenas o matrimónio poderá suster.
Ah, tenho a louca vontade de gritar que tudo farei para que os momentos que surjam sejam ainda mais belos, nada de desencanto nos levando a guardar as sombras como paródia de outros sonhos. Essas, torpes nuvens baixas onde a melancolia ensina a viajar, já não farão parte da minha vida pois este dia, o mais belo de todos, terá ecos de louvor em outros momentos porque eu e o meu amado uniremos as nossas vidas e toda a magia que o amor celebra fará parte de nós. E, como o sonho está prestes a ser concretizado, sinto-me cada vez mais forte, rica, uma sede e uma fome insurgindo-se pelo meu ser como se apenas esse momento fosse o mais divino. Afinal, será conhecida a chama que o corpo de cada um possui, reparando qualquer mal que possa ter surgido com o desejo e a privação.
Sentindo-me carente, caio outra vez na cama e, tocando o meu corpo com aquela vontade que tão bem conheço, sinto já as suas mãos a fazerem-me sentir um ávido ardor, a presença de uma arte que enfeita o que é ensinado pela luxúria, as contorções de um glorioso prazer deliciando-se com o que é sublime. Deixando-me sorrir, recordo os seus beijos vibrando pelo meu pescoço, tal poética espalhando-se por mim como as ondas que o mar conhece, aquela suavidade que traz ao corpo fortuna.

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