quinta-feira, setembro 08, 2011

As carícias de uma magia enfraquecida (excerto de um conto que pode ser lido no livro "O cortejo das virtuosas solenidades")

Os meus passos levavam-me para onde um aliciante recanto regia uma disfarçada riqueza, não me importando que a miséria pingasse sob os lamentos que encobriam uma tórrida graça. A minha alma, menos cândida do que a primeira das estações, padecia perante a cortesia do maldizer por pensarem que eu era louco quando apenas desejava afastar-me dos gritos que sufocavam e de uma paisagem que a ninguém verdadeiramente saudável importaria.
Desde criança que apenas encontrava descanso quando disposto perante as cores de outras eras, um manjar de intrépidas belezas que apenas com os mais belos sonhos condiziam. Não conhecia maior conforto do que lembrar que não era mais um dos que tornam a noite fria com os seus sarcasmos e afirmações pueris pois no meu peito revolvia aquele encanto já esquecido com o passar do Tempo, aquele cavalheirismo que é entoar prodigiosas melodias com o coração.
Devido aos dias serem frios, padecia de uma palidez que em nada fascinava, a chuva adulterando o que é ser belo quando se dá mais valor ao conforto de uma noite de harmonia. No entanto, apesar de sozinho, não desejava a presença de outras cores na minha vida quando era o amor que cortava a memória com o ácido sabor da tragédia…
O Sol estava prestes a distanciar-se quando entrei na floresta pois pretendia esconder-me do mundo e assim saciar a vontade com o encanto da solidão, sentindo aquele conforto que dissipa a cruel sociedade. Talvez muitos não o soubessem mas todos os minutos que passam sem desejo perdem a sua graça, um repetido desencanto que solta fraqueza e vazio quando se desperdiçam forças com quem não se importa connosco. Já estava farto de ter tão grande sofrimento e não o conseguir esquecer! A minha solução era apenas de este mundo partir, fugir para uma outra realidade onde tudo o que fosse luz pudesse adornar-me…
Sentado em frente a um lago, vendo o Sol morrendo, as suas cores se espalhando, olhava para a faca que tinha trazido. Seria ela o meu alívio, o meu bilhete para levar a minha vida a ser menos prisão…
Inspirando e expirando profundamente, deixei-me levar pela resolução final e, com um esgar de dor, senti a carne ser estraçalhada, o sangue jorrando dos meus pulsos como um rio que sabe para que lugar será conduzido. Era o fim de uma época de desencantos nascidos da esperança, o desejo de poder conhecer a liberdade que é não existir numa realidade tão cruel.
Súbito, um grito percorreu o ar e o meu ser foi tragado pelo que de inexplicável volteia na escuridão! As trevas encontravam-me e eu padecia por aparentar ser um servo, um dos caídos que tocavam langor atrás de cada desapontamento, um pálido respeito para com a eternidade.
Se alguma vez tinha conhecido a beleza, todos os sinónimos se tinham perdido ao avistar o que entonteceria até o mais febril e inspirado dos poetas, essa tão distinta riqueza sendo mais do que qualquer sonho que qualquer artista pudesse dar a conhecer… Ela, de pele tão branca como a neve e uns longos cabelos desenhados pelo rubor da chama, os olhos de tons azulados como se cortejassem o mar distante e uma boca tão sensual que se abria espantada pelo meu acto como se nunca tivesse conhecido a morte nem quaisquer propósitos que impeliam ao abismo. Uma mulher perfeita, não fosse o facto de que, a partir da sua cintura, podia ver um caule coberto de folhas e espinhos.
– Não se pode conhecer o paraíso cortando o elo que nos une à Vida – proferiu, a voz doce.
– Por vezes, temos demasiadas cicatrizes e não conseguimos suportar outras mais – respondi, o cansaço toldando-me a vontade, o espanto pintando-me a alma.
– As cicatrizes são feridas que choram sem poderem gritar e estas sempre temos. No entanto, existem luzes para além das que viajam pela noite…
– Se existem, nunca as encontrei… Sempre fui demasiado farrapo, ou assim me impeliam a acreditar, para que fosse possível as encontrar.
– Encontraste uma…
– Uma luz que se mostra estranha. Nunca pensei que um ser assim pudesse existir… Será que, prestes a morrer, é isto um dos sonhos que se pode ter quando moribundo?
– O que vês é a realidade. Por ser estranha não significa que seja menos verdadeira. Sou como sou porque assim quiseram…
– Estranho o elo que nos une quando sob diversas representações. Também sou como sou porque assim quiseram…
– E qual verdade é essa?
– Uma que talvez já não importe…

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