quinta-feira, setembro 12, 2013

excerto de "Um sonho lembrando o mar"



Ao vaguear por esse terreno encantado que é a alvura etérea do viajar, observei um recanto que meu não era, assente pela posse de todas as quedas e lamentos, talvez uma distante memória desabrigada pelo firmamento enquanto os passos eram dados. Sendo curioso e corajoso, firmei consentimento com a terra que à frente me esperava, passando por árvores, arbustos e flores como se o vento estivesse preso aos meus pés, um coração de fogo no meu peito batendo. A minha vontade seria descobrir o que existia neste jogo enevoado que é sentir-me desabrigado num mundo desconhecido onde nem a prosa nem a rima têm sabor.
Ecos de valorosos momentos passaram e todos eles de encanto me cobriram pois já se aproximava o fechar do dia e, com este, novas e flamejantes cores libertavam o seu perfume. A minha vida conhecendo um outro olhar, a libertação sem qualquer queixume a não ser ter de ver as estrelas, julgando-me só e mal acompanhado como se alguém ordenasse solidão como paga de tempos idos que já não sabem brilhar.
Uns outros passos e já me chegava aos ouvidos o som de um mar liberto, aquela melodia tão sedutora que é a dança das águas com a terra encantada. Nesse momento, lamentando o fugir da harmonia, fustigava-me a vontade de querer encontrar alguém que me desse a conhecer a razão de aqui estar, que me dissesse para onde deveria ir ou se teria uma casa onde dormir. Submetido ao desconhecido, sentia-me como se a felicidade tivesse duas asas quebradas que se arrastavam tal como os vermes, deixando, no seu dissoluto trilho, detestáveis marcas. O meu brilho era como a queda do sol ardente, o sorriso como a ponte entre o abismo e o céu, o meu cansaço desvirtuando a noite que não oferecia quaisquer momentos em que o sono pudesse estar presente. A impossibilidade de me lembrar das horas em que o sorriso tinha sido maior, sujeitava-me a estar perplexo, mas não iria deixar de caminhar pois talvez aquele perfume a mar fosse o início de uma outra vida. E assim foi…
Com o olhar sagaz, o espírito sendo um voar de ideias, o coração ardendo como fruto de sensações desiguais, vi então uma figura feminina. Talhada em finas formas, o encanto que é mulher disposta perto de uma enseada enquanto o mar era ríspido e dissoluto, como se procurasse recolher da terra o espaço e o tesouro que achava ser seu. Estendida na praia, desacordada, tristemente frágil, mas de um encanto que vagava pela celeste beleza do que me fez adorá-la, parecia uma deusa no seu leito preferido, a suavidade do éter que tinha descido à terra enquanto as ondas serpenteavam tais vales e montanhas que não queriam a calma.
Sorrindo, observei-a por longos momentos, tão majestosa quanto o amanhecer, a respiração sendo fruto de uma certa melancolia que a fazia pálida, desprotegida… Talvez, tal como eu, tivesse caminhado por longas horas, o cansaço tomando conta da sua doce forma, ou talvez esperasse por alguém, uma fagulha da sorte que tão bem conhecia. Enfim, a minha curiosidade era imensa e o único desejo que sentia nesse momento era fazê-la feliz, tentar arranjar uma cura para quaisquer males que a afligissem se, por acaso, os tivesse, esperando que fossemos os únicos neste recinto de encanto.
Com um leve toque na sua cara, os longos cabelos pretos cobrindo-lhe parte do corpo, a ninfa que tanto me adoçou o olhar acordou, os olhos azuis perscrutando o horizonte próximo como se não soubesse onde estava. De repente, agitou-se, gritou e levantou-se, a respiração sendo agora forçada, deixada ao mesmo ritmo que as ondas do mar. Acalmando-a, disse-lhe que estava tudo bem, que não lhe iria fazer mal, que só queria ajudá-la.
Olhando para mim com ar de espanto, perguntou-me quem era…
− Não tenho nome para lhe dar… desconheço quem sou… não sei quem era… Existo aqui… Apenas isso… E o seu?
− O meu nome é… é… não sei… Tudo em mim existe como névoa… sou apenas o que sinto e o que vê…
Por longos momentos, sorriu, a minha respiração tornando-se mais rápida, fazendo-me sentir a cortesia de ter encontrado uma mulher que em tudo em mim tocava, que tinha a beleza de mil paraísos e que talvez visse em mim um só, mas que muito poderia dizer-lhe. Infelizmente, para meu tão grande infortúnio, desapareceu. Atónito, fechei os olhos para depois os abrir, mas o mesmo vazio ainda lá se encontrava. Ela já não me fazia estremecer com o encanto de a ver, tendo deixado aquela dor que era a saudade…

A ninfa…

Supus um sonho… encontrei a beleza… um anjo… mas acordei… a minha realidade… a minha mais agreste certeza sendo que o homem com quem sonhei parecia comigo sonhar… a magia de um toque de ondas ao lado das quais adormeci, cansada, visivelmente enfastiada com o facto de que a beleza que procuro só em sonhos poderia encontrar…
A gentileza de um sopro que fizesse-me sorrir, pensar, sentir, desejar, vivia ainda dentro de mim…
Por anos, estive sozinha por minha própria vontade, por não sentir que havia riqueza em outras vidas, pois todas elas eram pálidas, materialistas, retorcidas… Na verdade, procurava apenas a poesia de um coração que quisesse em tudo me dar atenção e não apenas a palidez da luxúria, um momento pelo Tempo cansado em laivos de tentações onde não havia abrigo para um sorriso que fosse adornado pelo amor.
Passava o Tempo perdida entre livros, a casa e o mar… Olhava para tudo o que era lado, o céu sendo o meu confidente por possuir milhentas janelas por onde a minha alma podia voar. A inquietação induzida pelo que procurava fazendo-me sobressaltar, sabendo que nos sonhos, devido à mais gloriosa das magias, tudo poderia acontecer.
E aconteceu… Perdi-me nos seus olhos… Castanhos, vigorosos, cheios de fogo onde podia a alma aquecer, onde queria perder-me por serem olhos de anjo, de vontade divina, de apoteose merecida. Nunca esquecerei a sua tão bela face… Não lhe via qualquer cabelo, mas os olhos profundos diziam-me muito mais, vertendo uma ansiedade mútua, um respirar que podia tornar-se uno, se eu não tivesse acordado e deixado a triste e desiludida realidade fazer-me esvaecer em cansaço e agonia. Agora, com estes solitários passos em que faço o meu caminho, procuro apenas uma outra noite, um sonho onde possa encontrá-lo, sentir que tem mais do que beleza para me dar, a firme alvura de uma alma que, com a minha, rime.
E se encontrasse a felicidade em sonhos?
E se a eternidade me concedesse o desejo de viver?
Oh! Jocosa melodia que se firma como gloriosa vontade e faz-me feliz! Será que algum dia esse homem me trará a felicidade que há tantos anos desejo e nunca me quis?

O anjo…

Porque a poesia irrompe de onde e quando menos se espera, cobria-me um encanto que não sabia onde me iria levar, um soluço que me deixou imobilizado perante uma bela mulher. No entanto, os meus passos tinham agora uma força desigual como se ela, ao desaparecer, me tivesse deixado sem coração, levando toda a magia que poderia representar, deixando um frio que me cortava o corpo, se não fosse a alma, enquanto via as cores de um poente a terra cobrir.
Ainda olhei para o mar, a revolta de outrora sendo agora um murmúrio, sentindo-me como se o íntimo fosse um triste recanto que nada me trazia de sereno. Pensar que a tinha perdido mesmo antes dos seus lábios sentir, uma fagulha que não tinha conseguido como fogo viver…
O Tempo era uma distância que afugentava a ligeireza do encanto da Natureza, deixando uma torpe lágrima cair de um dos meus olhos. Um paraíso encontrado e perdido num piscar de olhos. Atordoado, deixando os pensamentos distanciarem-se para o divino horizonte de um outro momento, escutava o suave bater do mar na praia e não notei a aproximação de um outro ser, o toque de uma mão no meu ombro fazendo-me virar.
− Voltei… − disse a mulher, a ninfa, a deusa, que tanto me fascinara.
− Sim… Fico feliz por tal… − respondi, um sorriso abrindo-se na minha cara.
− Não o conseguia esquecer…
− Passou tanto tempo, a angústia tomando conta do meu ser… Para onde foi?
− Não sei bem… Lembro-me de certas partes, mas a minha memória queda-se enevoada, como se tudo o que não existisse aqui, fosse uma pálida existência antes de neste recinto nascer…
− Sim… entendo-a…
Por longos momentos, olhamo-nos. Os seus tão belos olhos azuis sendo mais cativantes, de uma serenidade delirante, do que todo o mar e as suas profundezas. Sorrimos… Talvez não houvesse um momento mais desejado do que este em que, a partir dos desenhos acariciados pelo olhar, houvesse um beijo ligando as duas bocas. Doce… Suave… Ternurenta… Tão divina era a sua boca unida à minha. A vontade desmedida de possuir a elegância do amor em tão carinhosos toques fazendo com que suspirássemos com a mais bela das emoções.
Ao beija-la, deixei a confusão desaparecer, sabendo que tudo o que desejava já tinha, pouco me importando se a ausência de outras recordações assombrava a minha mente pois era esta que almejava e não uma que espalhasse uma névoa ingrata ao meu redor. No entanto, vi-me outra vez só… A minha amada tinha desaparecido…

A ninfa…

Um outro sonho… Uma outra vida… Nós os dois… Tocados pelo mesmo destino… Fui levada pelo condão da tristeza, a patética desventura de, por duas vezes, ter encontrado um tesouro e tê-lo perdido com os meus passos pelo mais terrível dos cenários.
O primeiro sorriso tinha sido quase uma semana antes, tendo vivido os momentos de espera em inquietação e pálida nostalgia, em nenhum outro lugar encontrando a magia que tanto me tinha feito sentir viva. Fartava-me ter de, em voz alta, dizer que só tinha um sonho que pudesse aquecer-me.
Sim… Um sonho… O homem que tanto me tinha feito conhecer o verdadeiro amor tinha sido fruto de um sonho, uma espécie de acordo mágico entre dois mundos de modo a abrilhantar um e outro com a finura de tão brilhantes palavras, a doçura de inebriantes espasmos por entre céus e mares de magia.
A Vida…
Alguém devia estar a soltar gargalhadas ao fazer-me crer ser cinza e ilusão pois o único homem que gostaria de no meu recanto privado encontrar não estava ao meu lado e nem sabia se algum dia voltaria a estar. Mesmo assim, não esquecia o seu sorriso, o seu terno encanto, os olhos abrigando muita da luz que me faltava e muita da juventude que procurava.
A Felicidade tinha-me aberto uma porta, um segredo desvendado pelos etéreos caminhos da sedução onde tudo possuía uma tão maravilhosa certeza. Neste momento, neste recanto, sentia-me caída, tocada pela memória desses tão doces lábios e não podendo nem devendo a minha loucura gritar. Seria considerada louca se já não o fosse por ter vindo para aqui viver, longe de tudo e de todos, apenas eu e o mar… o sonho e o desejar. No entanto, tinha decidido afastar-me das afirmações e indagações de quem não é justo e sincero, de quem se impele a caminhar perante a lividez de espíritos doentes que dizem ser os correctos, que a Vida não deve ter o encanto do coração, mas que apenas o dinheiro e outras coisas materiais importam. Repugnava-me saber que o mundo onde tinha nascido tinha as cores da infâmia e devassidão, que já não existia oportunidade para o encanto, para o dia ser belo e a noite ter tudo menos as sombras de um vazio que não traz paz.
Oh, o meu amado… Ainda conseguia vê-lo… Os seus olhos tão belos ensinando-me as cores da harmonia, o seu toque de homem corajoso, de poeta orgulhoso, de suavidade sem par. Ao sonhar, tornei-me sua, descobrindo que mais ninguém me poderia fazer assim sentir. Uma mulher que lia um poema sem fim num mundo de nuvens que talvez tivesse sido criado unicamente para ela.
Eu… A afortunada…
Parecia-me que esse sonho tinha durado uma vida pois, enquanto sonhava, tinha conseguido esquecer a realidade e povoar uma outra com o mais belo que podia criar, não fosse, desde antes, uma aventureira que não tinha medo de desbravar o desconhecido.

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