segunda-feira, janeiro 07, 2008

"Resquícios de estranhas sinfonias" (Excerto) 2º livro

" Diversos minutos após o início da minha caminhada, ouvi o progressivo aumentar de volume do que me pareceu ser uma voz humana. Assim, a doçura se fez sentir a partir do momento em que reconheci a voz como sendo a de Isanthya, chamando por mim…
Sentindo-me revitalizado, fui na direcção de onde a voz surgia ansiando ver aquela que ao meu coração tocava com ternura. A gentil presença do que era, para mim, a mais bela mulher alguma vez criada, fazia-me sentir bem, como se o paraíso estivesse mais perto do que alguma vez imaginado.
Já não me importava mais a neve, as árvores com os seus ramos dissolutos, as nuvens carregadas e as dores que o meu corpo transbordava. Apenas queria ver Isanthya, toca-la, abraça-la, beijá-la…
Não demorou muito a tal acontecer… Afastando-me do manto de verde-escuro adornado por sombras em diversos tons, descobri uma vasta planície acinzentada onde, ao centro, avistava uma luz difusa. Acercando-me, verifiquei que possuía forma humana. Era mesmo Isanthya e esta me chamava, perfumando o meu nome com algo mais digno de menção do que a criação humana.
Ao vê-la, fiquei estático… A sua beleza era agora ainda maior como se a elegância do seu porte conseguisse inebriar a quem a conhecia com dons mais divinos do que os céus ou a santidade. Se a agreste condição a que tinha sido antes conduzido tinha deixado as suas marcas, agora era tudo pertença de um passado sem requinte. Agora estava junto a Isanthya, abraçando-a, beijando-a…
Se era este o sentir da harmonia, o reencontro com a casa que sempre almejei encontrar, a verdadeira condição de paraíso adornando todo o meu sentir, então que me deixassem radiante, que a miséria soubesse derramar a sua soberba sobre o deserto e este a fizesse desaparecer mas que não fosse eu apanhado nessa torpe celebração pois merecia ser feliz.
Os seus beijos eram mares de rosas onde não existiam espinhos, o fôlego cortado por uma sensualidade primaveril, a pele mais alva do que toda a neve que pudesse ser criada, o ar sendo perfumado pela cortesia de um misticismo irresistível. Isanthya era aquela que sempre quis encontrar e nunca pensei existir, a bela com coração de ouro e alma serena, a diáfana presença de um anjo num reino de agressões e tristezas.
Era feliz entre a realidade e a fantasia, as lágrimas escorrendo não pela dor mas por uma felicidade sem igual. A paz sempre ausente, agora tão perto, nada havendo que ditasse febre a demónios, antes anjos nos observando e que louvavam o dialogo amoroso que trocávamos. Que dizer do cendal que cobre os apaixonados, o riso obedecendo a frases que saciem a loucura da saudade? É assim o mistério de um Verbo maior…
Enquanto nos beijávamos, a sede sendo aniquilada com cada segundo de paixão, não me apercebia que a natureza pregava uma outra partida. O solo onde nos encontrávamos era nada mais do que gelo que se ia partindo aos bocados até que fomos tragados pelas águas.
Descíamos em espiral, agarrados um ao outro, lábios tocando lábios, o amor que do nosso íntimo surgia emanando em luz os nossos corpos e cedendo protecção à injúria que a água fria pudesse trazer. O tempo que passava não nos era importante, caíamos como folhas soltas mas cheios de sabor a infinito, o abismo nunca sendo observado, apenas nós e o paraíso ao nosso lado.
Sentia-me feliz…
De repente, bati no chão duro. Atordoado, levantei-me aos poucos e poucos e procurei por Isanthya. Não a via…
Tinha, uma vez mais, desaparecido e levado o meu sorriso com ela. Para quando uma próxima vez? Seria possível que passaria por incontáveis tramas de esperança e desespero, nunca encontrando um fim que me trouxesse satisfação, desapego de qualquer tragédia?
Sentei-me um pouco e apoiei a cabeça nas mãos, os cotovelos em cima dos joelhos. Apetecia-me chorar, deixar sair rios de mágoa e desilusão e quedar-me por toda a eternidade nesse preciso lugar. Seria demasiado fácil desejar ser como uma das estátuas que tinha antes avistado, os seus corpos retorcidos em poses nada comuns para a vida. Se ao menos o esplendor da virtude concedesse a ousadia de me libertar…
- Ajudem-me… - ouvi uma trémula voz de homem entoando ao longe.
Levantando a cabeça, ouvi a mesma súplica. Caminhando na direcção da voz, esta nada reconhecível, reparei que o lugar onde me encontrava era em tudo igual ao sítio onde tinha antes estado após sair da casa em ruínas por artes desconhecidas.
As mesmas árvores esqueléticas, a mesma atmosfera dissonante, a mesma luz medrosa pairando no alto como se o amanhecer ou o entardecer tardasse num infinito pesar. Que raio de cenário aviltante era este onde tinha vindo parar??? "

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